O giro da maçaneta
* Por Daniel Santos
Gostoso mesmo era
passar a tarde com as amigas; pelo menos, de
vez em
quando. Cafezinho , bolo de laranja ... E conversavam de tudo,
de tudo riam-se desbragadas como solteiras ainda sem noção de prazos.
É, mas estava
para terminar, que ele, o marido, logo chegaria do trabalho. De mau-humor, sem
sorrisos nem o previsível “boa noite”, ele abriria a porta num repelão, sem
pudor de constranger a qualquer.
Aliás, só de
pensarem na chegada dele, as mulheres sentiam-se desconfortáveis. Fazer o quê?!
Ele tomaria o lugar onde elas folgavam à vontade. Não mais íntimas, mas formais
... quando ele chegasse.
E chegou.
Primeiro, passos pesados lá fora. Depois, um pigarro forçado, algo raivoso, de
quem intui desgoverno dentro da própria casa. Enfim, o giro da maçaneta como o
ponteiro do relógio no fim do prazo.
Caladas,
apreensivas, despediram-se da amiga, pegaram bolsas e sacolas e aguardaram que
ele surgisse enorme, quem sabe até ameaçador, no vão da porta. Afinal, aquele
olhar de exclusão. Na certa, assim seria.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
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