Onde
estão as flores de Dona Vicentina?
* Por
Sônia Pillon
A Afonsina ficou órfã
muito cedo e foi criada pela avó Vicentina, que tinha múltiplos talentos. Era
uma típica senhora “prendada”. Ela dava um show na cozinha, fazia doces e
compotas caseiras como ninguém e ainda era exímia no tricô, crochê e bordado…
Mas o que mais causava admiração pela dona Vicentina, além dos limites do
portão, eram as orquídeas que cultivava. Mais do que as rosas, que além de
adornar o jardim, tinham o poder de atrair abelhas e borboletas. Ah, e cigarras
também!
Afonsina sempre
contava que, quando o sol da manhã irradiava luz, não raro assanhava as
cigarras, que vinham cantar na sua janela. Faziam o papel de despertador
ecológico, só que com um toque poético… Na época, frequentava a casa dessa
minha amiga, especialmente antes das provas de Matemática. Perdi a conta das
vezes em que acompanhei os cuidados da avó dela com suas relíquias vivas,
coloridas e perfumadas.
Depois que terminamos
“adolescentamos”, amadurecemos e a vida de cada uma seguiu seu curso. Soube bem
mais tarde que com a morte de dona Vicentina, com setenta e poucos anos, os
parentes “reapareceram” e, depois de muita briga pela herança, a casa foi
finalmente vendida… Afonsina pouco depois casou e foi morar no Rio.
Essa semana senti uma
nostalgia me apertando o peito. Esse reumatismo vive me pregando peças, mas
ontem acordei e decidi dar uma volta. Chamei um táxi e pedi para me levar no
bairro onde morava a minha amiga de infância. Fiquei rememorando, respirando
passados. Vida correu, tropeçou, caiu e se levantou, assim como eu. Águas
rolaram…
Chegamos defronte à
casa de dona Vicentina. Desço devagar e o meu coração começa a bater mais
forte. Quantos anos! Senti lágrimas querendo transbordar, mas segurei. Mesmo
assim, o olhar do taxista identificou a minha emoção, discretamente.
O muro está alto e não
há nenhuma abertura para ver se sobrou alguma coisa das flores. Tomo coragem e
me dirijo a um homem que passava, para saber quem mora lá. Conto das orquídeas,
das rosas, dos perfumes. Com olhar malicioso, ele me responde que ali, hoje, as
únicas flores são as que desabrocham com as luzes vermelhas da noite… Tudo
mudou…
*
Sônia Pillon é jornalista e escritora, nascida em Porto Alegre (RS) e radicada
em Jaraguá do Sul (SC), desde outubro de 1996.
Nenhum comentário:
Postar um comentário