domingo, 27 de dezembro de 2015

O amor dos romanos pelos livros



Os romanos – sobretudo um dos seus maiores vultos intelectuais, o filósofo, orador, escritor e advogado Marcus Tullius Cícero – deram grande impulso à Literatura, não apenas como escritores, mas, sobretudo, como leitores.. A elite pensante de Roma desenvolveu e incentivou o hábito da leitura – ao contrário da maioria dos outros povos, contemporâneos ou não, que não deram maior importância (na verdade, nenhuma, salvo raras exceções) a essa forma de obter conhecimento. Entre tantas contribuições nesse sentido, a alta sociedade romana foi grande incentivadora, por exemplo, de bibliotecas particulares. Tratava-se de um “luxo” sumamente dispendioso (se levarmos em conta que na época o livro, pelas dificuldades de serem “materialmente” produzidos, era um objeto bastante raro e, portanto, caro). Refiro-me especificamente ao século I antes de Cristo, período considerado como sendo o “de ouro” da Literatura romana.

Eram comuns, por exemplo, os salões de leitura, espalhados por toda a Roma, e  sempre lotados, com pessoas ávidas por ouvirem a leitura, em voz alta, dos escritores mais populares de então. Guardadas as devidas proporções, esse interesse equivalia ao que tínhamos ainda bastante recentemente em relação ao cinema, antes que novas mídias nos possibilitassem o acesso, sem sairmos de casa (inclusive pelo computador), aos filmes mais badalados. Era bastante comum, também, a leitura de livros nas termas, enquanto as pessoas se banhavam, ou nos banquetes, onde eram recitados, principalmente, os poemas dos poetas mais notáveis de Roma.

Nessa época, a posse de uma biblioteca particular, que fosse bem sortida, era símbolo de “status”, objeto de desejo dos que tinham posses suficientes para tal. Como se vê, ao contrário do que a maioria pensa, os romanos não se divertiam, somente, com os selvagens e brutais combates de gladiadores. Não, pelo menos, os abastados, com acesso à educação e à cultura. O amor e a veneração desse povo pelos livros era tão grande, a ponto de Cícero haver declarado, em certa ocasião: “Se tens um jardim e uma biblioteca, tens tudo”. Os estudiosos da História da Literatura tendem a considerar os escritores gregos mais profundos e menos superficiais que os romanos. No que diz respeito à Filosofia, até pode sem embora esse tipo de comparação sequer caiba. Todavia, considero os poetas de Roma mais apaixonantes, completos e sutis. Sobretudo no que diz respeito a elegias.

Um dos grandes vultos da poesia, em Roma, foi, sem dúvida, Plauto. Popularíssimo não somente entre as elites, era conhecido como o “poeta do povo”. Era especializado em sátiras e criticava, com argúcia e coragem, os costumes de seu tempo. É tido, até os dias de hoje, como o maior cômico latino. Aliás, os romanos tinham particular gosto pela sátira e pela comédia. Outro escritor, bastante popular de então, foi Terêncio. Embora cartaginês, e escravo, conquistou o patriciado romano com suas engraçadíssimas peças, como “O eunuco”, “A sogra”, “Os dois irmãos” e “O atormentador de si mesmo”. Roma produziu, na figura de Virgílio, um dos maiores poetas de todos os tempos, comparável ao grego Homero, autor da epopéia “Eneida”, além de outros poemas, sobretudo líricos.

Não se pode tratar de Literatura romana sem citar nomes como Horácio, com suas “Odes” e suas “Sátiras”. Ou como Ovídio e seu clássico “A arte de amar”. Ou como Tito Lívio e sua esclarecedora obra “Livros desde a fundação da Cidade”, com episódios sobre a história de Roma. Há dezenas de outros nomes, de escritores que nada ficam a dever para os atuais, como Petrônio (autor do “Satyricon”, uma paródia do romance grego), ou Marcial, ou Juvenal (ambos escritores satíricos). Ou, mais tarde, Plutarco (autor de “Vidas paralelas”), e Luciano (chamado pelos historiadores de “O Voltaire da Antiguidade”, autor de “Diálogo dos mortos” e “As seitas em hasta pública”).

Mas quando se fala em Literatura romana, e mais, em cultura desse povo extraordinário, um intelectual, na verdade um gênio, se destaca. Refiro-me a Cícero, tido e havido, com justiça como uma das mentes mais versáteis da Roma antiga. Foi ele, afinal, quem apresentou aos romanos as escolas da filosofia grega. Foi mais longe: criou um vocabulário filosófico em Latim, distinguindo-se como linguista, tradutor, e filósofo. Além disso, foi orador impressionante e advogado de sucesso. Cícero provavelmente pensava que sua carreira política era sua maior façanha. Estava enganado.  Hoje em dia, ele é apreciado principalmente pelo seu humanismo e trabalhos filosóficos. Sua correspondência (parte da qual é dirigida ao seu amigo Ático) é especialmente influente, introduzindo a arte de cartas refinadas à cultura européia. Pena, na verdade, que se meteu em política. Por causa dela, foi assassinado, em 7 de dezembro de 43 a.C., a mando de Marco Antonio, seu desafeto.  Não me admiro dos romanos terem tamanho respeito pelo livro. Pudera, com tantos e bons escritores, valia a pena o sacrifício que isso, então, representava, considerando-se a raridade e o preço bastante salgado dessa preciosa fonte de cultura e prazer.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Um passeio gostoso e não dispendioso, estou fazendo pela história do livro. Lendo coisas que nem imaginava.

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