ANGELITO – Sofrimento de amor
* Por
Urda Alice Klueger
Com a rapidez
assombrosa com que as coisas acontecem na internet, uma amiga me avisou desde a
Alemanha: havia um cachorrinho em petição de miséria amarrado há dias num lugar
ermo, quase invisível, no bairro Velha Central, deixado lá para morrer de fome.
Alguém o vira, o fotografara e colocara a foto na Internet. A foto e a denúncia
atravessaram o mar e voltaram até meu computador, e horrorizada com a situação
do cachorro, compartilhei as mesmas no meu facebook, mas fiquei a olhar, o
coração aos pulos: não podia deixar aquele cachorrinho mais lá. Peguei o carro
e fui atrás dele.
Foi assim que ele
entrou na minha vida. Levei-o primeiro ao veterinário, que me garantiu a fome
total, de muitos e muitos dias – nenhum resíduo de nenhuma comida restara na
barriguinha dele. Era um filhotão de aproximadamente dez meses, oito quilos,
todo pretinho, carinhoso, uma graça. Não havia para onde levá-lo e então o
trouxe para a minha casa onde, teoricamente, ele ficaria morando na cozinha até
ser adotado.
Então fui descobrindo
coisas sobre ele: não sabia comer, a não ser pão com margarina; não sabia
latir, não sabia andar, não sabia cheirar as coisas, não sabia nada. Um dia
nascera e fora preso a uma corrente e muito maltratado – o pescoço pelado
atestava a força da corrente que o prendera; as perninhas magras, sem musculatura,
diziam da sua imobilidade, e solto, cambaleava sobre as mesmas – de uma vez em
que tentou levantar a perna para fazer xixi, caiu. Não sabia que existia
carinho, e quando passei a entender toda a sua fragilidade e a acarinhá-lo,
ficava tão surpreso e emocionado que, juro, ele chorava por dentro.
Se fosse um ser
humano, dir-se-ia que era alguém totalmente desumanizado – já que era um
cachorro, acho que o termo que o definia é que era inteiramente
descachorrizado. Havia que cuidar dele primeiro, dar-lhe carinho, fazê-lo andar
aos poucos para criar músculos nas pernas e ensinar-lhe coisa por coisa da vida
que, no mínimo, o instinto deveria ter lhe ensinado, mas que os maus tratos
impediram.
Além da comida e do
carinho, levei-o para curtos e vagarosos passeios, onde ele ia bambeando nas
pernas, e eu não estava errada: aquele bichinho nunca andara! As almofadinha
sob seus pés eram tão frágeis que se gastaram e ele ficou com os pezinhos em
carne viva. Isto é só um dos horrores que aquele bichinho trazia consigo.
Havia que cuidar dos
seus pezinhos primeiro, no entanto. E levá-lo a um pet shop para ele conhecer
as diversas rações, para ver se gostava de alguma, mas ele não entendia nadinha
de rações.
Lá pelo quarto dia
acabei lhe dando um nome: Angelito, que para quem não sabe, significa Anjinho,
em espanhol. Era um anjinho que viera ao mundo só para sofrer, e eu era seu
primeiro elo de contato com a sensibilidade da vida.
Ao todo, ele ficou 13
dias comigo, e mesmo com os pezinhos tão machucados, passou a andar e a correr
no piso liso de dentro de casa, e um dia começou a latir e a cheirar tudo, e se
fartava de comer a comida que minha vizinha Terezinha lhe mandava – tinha uma
declarada predileção pela comida de Terezinha. Abocanhava arroz e macarrão com
molho, mas não sabia comer carne, nem osso... Céus, o que tinham feito com
aquele bichinho?
Ontem, por diversas
razões, ele teve que ir embora. Está lá no hospitalzinho Arca de Noé, à Rua
Joinville (Fone 47-3035 3585), aguardando adoção. Sei que lá será muito bem
tratado e que irá para um lar com pessoas que o amem, mas como foi terrível
deixá-lo ir. Chorei, chorei muito o tempo todo, enquanto o levava, enquanto a
Dra. Rose nos atendia, quando o deixei para trás, assim como choro agora,
quando penso nele. Ele também chorou, chorou muito quando o tiraram dos meus
braços para ir para o canil. Eu ia longe, na rua, e podia ouvir como ele
chorava. Haviam se criado profundos laços de amor entre nós.
Eu não posso ficar com
ele, mas talvez você possa. É um cachorrinho saudável e amável, que tudo o que
quer é amor e um pouquinho de comida. Talvez ele possa ser o seu presente de
Natal. Se você pode ficar com ele, não feche o seu coração. Angelito é um
sofrido anjinho que precisa do seu amor.
Aqui, vivo este
sofrimento de amor, e desejo que Angelito venha a ser muito feliz num lar que
decerto existe em algum lugar, neste mundo, para ele.
Felicidades, Angelito.
Fico aqui na torcida por ti!
Blumenau, 04 de
Dezembro de 2015.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
Boa sorte, Angelito!
ResponderExcluir