A melhor poetisa
* Por
Pedro J. Bondaczuk
Embora não seja consensual, considero
Cecília Meirelles a melhor poetisa brasileira de todos os tempos. Esse tipo de
classificação, claro, é bastante subjetivo e cada apreciador de literatura tem
as suas preferências. Prefiro ficar com a minha e por uma série de razões.
Basta uma análise, mesmo que superficial, da sua obra, para se tornar,
liminarmente, seu admirador. Seu estilo e sua trajetória de vida são bastante
semelhantes aos da chilena Lucila Godoy Alcayaga, que se consagrou na
literatura mundial com o pseudônimo de Gabriela Mistral, ganhadora de um Prêmio
Nobel de Literatura.
Ambas foram professoras e dedicaram a
maior parte de suas vidas ao magistério. As duas tiveram fases espiritualistas
e se consideravam, antes e acima de tudo, não escritoras, mas mestras.
Contasse, Cecília Meirelles, com apoios importantes, também poderia ostentar,
sem nenhum exagero, um Nobel de Literatura. Mereceu-o amplamente. É, portanto,
mais uma das tantas e tantas pessoas que integram a extensíssima relação dos
injustiçados pela Academia de Ciências da Suécia, responsável pela premiação.
Escrever sobre Cecília Meirelles é
fácil e difícil ao mesmo tempo. A facilidade está na qualidade da sua obra, que
salta aos olhos até do leigo, que permite que o crítico, e o estudioso de
poesia, destaquem uma fartura de nuances que às vezes passam despercebidas aos
que não estão muito acostumados à leitura (e em especial de poesia).
Curiosamente, a dificuldade está exatamente nesse fato. E, sobretudo, na
abundância da sua obra, toda ela bem-elaborada, levando o leitor desatento a
não dar o devido relevo ao que merece ser destacado.
Essa fluminense, que escreveu muito e
viveu, relativamente, pouco (apenas 63 anos), integra, com todas as honras que
lhe são devidas, aquele grupo seletíssimo da poesia contemporânea brasileira,
integrado por Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Manuel Bandeira,
Mário de Andrade, Jorge de Lima, João Cabral de Mello Neto, os irmãos Campos,
Décio Pignatari, Guilherme de Almeida, Affonso Romano de Sant’Anna e um ou
outro mais, que dispensam citações, a despeito das diferenças dos temas que
abordaram e dos estilos de composição que adotaram.
Hoje, mesmo os que desconhecem a sua
vasta, e excelente obra, sabem, pelo menos, da sua existência. Não foi sem
razão que a Casa da Moeda lhe prestou, em 1990, uma homenagem, estampando sua
efígie nas cédulas de NCz$ 100,00. Pena que isso tenha ocorrido numa época de
inflação galopante e quando a moeda trocava, a todo instante, de nome e de
característica. Durou pouco, pouquíssimo, portanto, essa merecida homenagem à
nossa maior poetisa de todos os tempos. Foi bom enquanto durou.
Cecília é uma estrela de intenso brilho
não somente da poesia, da literatura, mas de toda a cultura brasileira, que
ajudou a formar e difundir, na qualidade de educadora. Durante parte
considerável de sua vida dedicou-se, de corpo e alma, ao magistério,
notadamente o primário, guiando os passos de tantas crianças, que hoje ocupam
posições de destaque na sociedade.
Atuou, também, como jornalista,
assinando, por quatro anos consecutivos (de 1930 a 1934) uma coluna
semanal, em que abordava os problemas do ensino no Brasil (que, convenhamos,
sempre foram graves e abundantes). Como se não bastasse, Cecília, ainda, era
uma autoridade em
folclore. Conhecia , como poucos, as tradições populares, os
folguedos, lendas, ditos e práticas. Ou seja, a própria essência da alma
brasileira.
Personalidade fascinante, extremamente
culta, era uma pessoa dinâmica, inquieta e, sobretudo, realizadora. Essa
característica prática contrasta, profundamente, com o que transmite em seus
poemas, intimistas e místicos. Aliás, o misticismo foi a fonte mais farta da
sua inspiração. Cecília Meirelles é o nome de destaque da segunda fase dos chamados
“espiritualistas” da nossa moderna literatura.
Alfredo Bosi, em seu livro “História
concisa da Literatura Brasileira” (Editora Cultrix) afirma que a nossa poetisa
maior tinha, sobretudo, uma “lírica essencial antipitoresca e antiprosaica”.
Tinha a enorme capacidade de tomar o cotidiano e não descrevê-lo, na sua banalidade, mas de transfigurá-lo.
Outra dificuldade em falar da pessoa e
da obra de Cecília Meirelles é a de se ser original. Ou seja, de encontrar
algum detalhe, por menor que seja, que já não tenha sido abordado por alguém.
Tanta gente importante já escreveu a seu respeito (entre outros, Mário de
Andrade, Álvaro Lins, Murilo Mendes, Paulo Ronai, Carlos Drummond de Andrade,
Osmar Pimentel), que pouca coisa eu tenho a acrescentar sobre tudo o que foi
escrito.
Cecília aliava, a uma sensibilidade que
brotava à flor da pele, ecletismo e erudição. Tinha tanta cultura, que fez
várias conferências no Exterior, sobre a nossa literatura e nosso folclore,
sempre com enorme sucesso. Pena que vivesse numa época em que os nossos
acadêmicos ainda não tinham a visão aberta, isenta de preconceitos. Tivesse
vivido um pouco mais (morreu em 1964) e, sem desmerecer Rachel de Queiroz,
certamente seria dela a primazia de se tornar a primeira mulher a ingressar na
Academia Brasileira de Letras. Todavia, sua imortalidade é maior do que uma
eventual honraria acadêmica. Cecília Meirelles viverá, para sempre, no emotivo
coração dos brasileiros, que soube cativar tão bem com a magia dos seus versos.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Notei que faltou citar alguns versos dela, Pedro, alguém que foi marcante em minha vida estudantil.
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