sábado, 1 de agosto de 2015

Devaneios de uma roqueira 9


* Por Fernando Yanmar Narciso


CAPÍTULO 4 (PARTE 2/2)


- Dei uma checada no Facebook de manhãzinha, Barbie.
-Hum?
- Tia Flor me lembrou que sábado é o ‘níver’ de Clarissa, e ela quer vir de ‘belzônti’ passar o dia aqui com a gente.
- Ah, e eu tenho mesmo que receber a pirralhinha?
- É sua irmã caçula, poxa!- Ops! Falei a palavra proibida...
- Clarissa NÃO é minha irmã, Alexia!- Ela dá com a bandeja na quina do balcão com tanta violência que ela virou um U.- Aquela anãzinha adotada é a arma de mãe pra se vingar de mim, e ‘ocê’ sabe disso!
- Yeah, yeah, que seja. Mas o que te custa pelo menos fingir que consegue ficar numa boa com ela uma ou duas vezes por ano? Pelo menos ‘ocê’ ainda tem uma família pra poder implicar com ela. Ao contrário de mim, que faz mó tempão que fugi de casa e mãe sequer se preocupou em pôr minha foto numa caixinha de leite. Nem meus e-mails Dna. Maria Ibanez nunca se deu ao luxo de responder!

- ‘Ocê’ sempre precisa trazer tia Maria pro meio da discussão, né?
- Vê se, pelo menos, não faz Clá chorar tanto dessa vez, right?
- Hmpf, ‘Right’...- Ela responde sem um pingo de convicção e ainda curte com minha cara.

Recheei o pãozinho tostado com quase meio pote da geléia, e só faltei esfregar na cara de tanta gula. Esse doce só pode ser feito com tecnologia extraterrestre, simplesmente não pode caber tanta delícia numa comida só! ‘Ê, trem bão’!

- Sabe de uma coisa, Lexi?
- Hum?
- Ontem à noite, enquanto ‘ocê’ comia até quase desmaiar na mesa, fiquei pensando... A gente vive mal, come mal, mora muito longe, administra mal nosso tempo e nosso dinheiro. Esse estilo de vida tá acabando com ‘nóis’. ‘Ocê’ e eu temos problema com a família. Sua mãe sempre te desprezou. Depois que papai me ‘trancou’ aqui no posto, nunca mais falei com ele, e já são dez anos de sofrimento dentro desse prédio caindo os pedaço. Sem falar que mãe vive passando na minha cara os feitos maravilhosos da pestinha da Clarissa! Família não devia ser assim! Nem chegamos aos 40, e ‘óia’ só como a gente já tá frustrada com a vida, cumádi!
- Well, como seu pai costumava dizer... Tá com problema?- Abri uma lata de cerveja- Tá aqui a solução!
- Mas a vida não pode ser só isso, Alexia! ‘Óia’,nós ainda é mais ou menos jovem, bonita e talentosa. ‘Ocê’ então, nem se fala. A gente não pode viver assim pra sempre, só com o de comer ‘malemal’ garantido e uns quatro, quando muito cinco showzinhos por mês. Escuta, por que a gente não faz um acordo?
- Acordo?
- ‘Nóis’ podia se dar, sei lá, um mês. A primeira oportunidade que aparecer na nossa frente, qualquer que seja, ‘nóis garra’ e mergulha de cabeça nela, OK?
- Kurt Cobain...
- Mas tem de pegar firme a oportunidade e não largar de jeito ou maneira, tá bom?
- Vá lá... Fechado!

Nos abraçamos, como as grandes amigas que sempre fomos. De repente ouvimos uma batida vinda do banheiro dos homens, e um aguaceiro correu pela fresta da porta.

- Ah, meu deus... -Bárbara lamenta- Será que o cano do esgoto estourou de novo?

Eis que Uli saiu do banheiro, todo molhado e cheio de papel-toalha molhado colado pelo corpo.

-Ah, é só o Ulysses...- Abaixei a cabeça e voltei a comer.
- Eu não lembro ter dito que o banho tava liberado, ô saci de duas pernas!
- Que banho, gata? Fazia umas três semanas que eu não escovava os dentes, escorei na pia pra escovar e de repente ela ‘rancou’ da parede.
- Santa paciência... ‘Óia’, Ulysses. A gente tem de ir encomendar umas coisas pra abastecer o restaurante e chamar um bombeiro pra consertar a bagunça que ‘ocê’ fez. Sua carroça aguenta o peso de três pessoas?
- Claro que ‘guenta’, Barbie! Querem carona?
- Óbvio, né? Mas o conserto da pia é ‘ocê’ quem vai pagar!
- Not a problem!

Em meia hora minha prima tirou o uniforme e se vestiu. Posso dizer que talvez não seja a única em minha família agraciada diariamente com dádivas dos deuses da ironia. Não entra em minha cabeça como uma mulher tão azeda e antissocial como a Bárbara só gosta de usar essas roupas espalhafatosas de riponga... Agora mesmo, ela desceu do quarto com uma blusa tão enfeitada que ficou parecendo uma sombrinha de dançar frevo com pernas. Antes de subirmos na jamanta de Ulysses, ele sacou uma folha de jornal toda desbotada do bolso do seu paletó roxo, também todo puído e desbotado, dobrada no formato de uma carteira.

- Seus dez pelo pernoite, Barbie.
- Brigada.
- A propósito, é dez real a carona.
- Já vou te pagar, saci...

Ulysses caprichou em seu sorriso irresistível, mas Barbie não quis nem saber: Enfiou-lhe uma joelhada na barriga.

- Cala a boca e dirige!
- Nnnnnnooooot a proooooblemmm...- Ele quase desmaiou. Depois ela agarrou o pulso dele com a força de uma prensa hidráulica que até eu senti, pois sua mão boba tentava alcançar novamente a coxa dela. Gente, pra que esse exagero, prima?

Alexia, sua não tão confiável narradora.

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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