Diferentes compassos
* Por
Pedro J. Bondaczuk
O esquecimento é algo traiçoeiro e nos
faz passar, muitas vezes, por dissabores, vexames, chateações e
constrangimentos. Esquecer a data de aniversário da esposa, por exemplo, ou a
do casamento, provoca, não raro, imensas tempestades domésticas que, em alguns
casos, resulta, até, em
separação. A mulher, via de regra, considera isso imperdoável
heresia. Há, é verdade, as que não ligam, ou fingem não ligar. Essa, contudo,
convenhamos, não é a regra.
Outro esquecimento potencialmente
danoso é o de algum compromisso marcado, profissional ou meramente social, não
importa. No primeiro caso, pode resultar até num “bilhete azul”, ou seja, em
sumária demissão. No segundo, a perda de amigos e de prestígio. Para evitar
esse tipo de mancada, existem as agendas. Todavia, alguns desmemoriados
esquecem-se, também (ou principalmente) delas, ou pelo menos não se lembram de
consultá-las. Aí... não tem remédio!
O esquecimento, porém, nem sempre é
fruto da falta de memória. Em boa parte dos casos, é provocado por afobação,
correria, falta de organização etc.etc.etc. Há pessoas que vivem correndo, como
se o mundo fosse acabar em cinco minutos. Nessa pressa toda, esquecem, por onde
passam, documentos, óculos, chaves do carro, guarda-chuvas, enfim tudo o que
carregam consigo.
Caso sintam a falta, nas proximidades
de onde deixaram esses objetos, tudo bem. É só dar a meia volta e retornar ao
local. Quando não... Passam por uma série de dissabores, perfeitamente
evitáveis. E perdem exatamente o que mais pretendiam ganhar: tempo. Bem diz o
povão que “devagar também é pressa”.
Alguns esquecimentos, no entanto, são
muito mais constrangedores do que os que citei. Diz a lenda (e não tenho como
comprovar sua veracidade), que o genial filósofo norte-americano Ralph Waldo
Emerson, quando estava bem velhinho, passou a ter alguns lapsos de memória.
Fazia tudo o que citei. Ou seja, esquecia compromissos, deixava coisas que
estivesse portando nos lugares por onde passava etc.
Certa ocasião, um seu admirador (e
bastava ler seus livros para admirá-lo de imediato), quis conferir se Emerson
tinha ou não perdido sua privilegiada memória. Apresentou, ao filósofo, um
magnífico texto que este havia escrito há alguns anos, extraído de um de seus
tantos livros, e lhe pediu que opinasse a respeito.
Este leu o trecho solicitado com a
maior atenção e concentração, pôs a mão no queixo, olhou para os lados,
parecendo um tanto confuso e disse, constrangido, ao interlocutor: “Que peça
maravilhosa! Que clareza de idéias! Quanta concisão e sabedoria! Eu gostaria de
ter escrito esse texto!”. Emerson não identificou, portanto, uma das suas peças
filosófico-literárias mais originais, marcantes e fundamentais (a que tratava
dos ideais).
Não reputo isso, porém, como falta de
memória. Fato idêntico já ocorreu comigo (e olhem que tenho fama de contar com
uma capacidade de retenção de informações que rivaliza com o HD do mais potente
dos computadores, de trocentos gigabytes de capacidade, sem nenhum exagero).
Ocorre que quem tem produção bastante
farta, por mais que tente, nunca vai se lembrar de tudo o que escreveu. Pode
identificar o estilo, claro, mas existe sempre a possibilidade (posto que
remota) de que outra pessoa o tenha igual. Pode reconhecer o tema tratado, o
que não quer dizer nada. Mas não pode jurar sobre a Bíblia que determinado
texto é de sua autoria (embora, de fato, seja).
Essa questão do esquecimento, portanto,
deve ser tratada com bastante cautela. Cada caso é um caso. O ensaísta
norte-americano, Henry David Thoreau, escreveu, a respeito, em um dos seus
tantos memoráveis ensaios: “Se um homem marcha com um passo diferente do dos
seus companheiros, é porque ouve outro tambor”.
Não é porque você esqueceu a data do
seu casamento (e pagou o preço por isso), ou não lembrou daquele encontro com
os amigos na casa do Zé, que deve se desesperar e sair por aí comprando todos
os produtos à base de fósforo que encontrar na farmácia do bairro. Muitos fazem
isso e não melhoram, claro.
Seus esquecimentos não têm componentes
físicos, mas, apenas, comportamentais. São desorganizados, afoitos, agitados e
fazem tudo, tudo na correria. O remédio para estes é simples e barato:
organização, planejamento e autodisciplina. Essas coisinhas fazem milagres para
a memória, muito mais do que qualquer preparado à base de ginseng (embora estes
sejam úteis e recomendáveis para a saúde em geral). É preciso que ouçam sempre
o mesmo tambor da maioria, para que possam marchar no mesmíssimo compasso.
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
O remédio para memória é nunca perdê-la, porque depois do fato consumado, nada se pode fazer.
ResponderExcluir