Escritora com “a China nas veias”
A escritora norte-americana Pearl S. Buck foi uma figura
notável, e não somente por sua importância para a Literatura do seu país, do
seu tempo, e do mundo, mas como figura humana excepcional: idealista,
batalhadora e exemplar. Trata-se de personagem sobre a qual, há tempos,
pretendia escrever, mas que, por um motivo ou por outro, sempre fui protelando.
Mas à medida que ia adiando essa abordagem, colhia, mais e mais, informações
sobre sua vida e sua obra. E crescia, exponencialmente, meu fascínio e
admiração por Pearl Buck. Creio, pois,
que chegou o momento para tratar dela, mesmo que não seja com a extensão e com
o brilho que ela merece.
De cara, o que me chamou a atenção, em particular, sobre ela
foi o fato de, embora nascida nos Estados Unidos (na cidade de Hillsboro, em 26
de junho de 1892), essa mulher ter sido alguém que sempre trouxe “a China nas
veias”. Creiam-me, não é exagero. A escritora foi apaixonada por esse país. Foi
influenciada por sua cultura, por seus costumes e suas tradições, que não só
assimilou, mas retratou fielmente em sua vasta e admirável obra, sobretudo
ficcional. Abordou, com extrema sensibilidade, os vários contrastes culturais e
sociais que essa milenar civilização, a mais antiga que sobreviveu, tinha e
ainda tem. Desvendou, sobretudo ao Ocidente, muitos dos mistérios e costumes
(para nós, exóticos) desse país que é o mais populoso do Planeta, pois detém,
sozinho, pouco mais de um sétimo de toda a população da Terra (1,357 bilhão de
habitantes).
Pearl Buck foi parar na China em fins do século XIX, em
1895, quando tinha, somente, três anos de idade. Foi levada para lá pelo pai,
missionário presbiteriano, de imensa cultura, que dedicou a maior parte da sua
vida à tradução da Bíblia do grego para o chinês (o mandarim), sem se descuidar
da sua principal missão, que era a de evangelizar e prestar ajuda aos
habitantes locais. Cresceu ali. Foi criada naquele país. Frequentou escola
chinesa até os quinze anos de idade, tendo por preceptor um sábio
confucionista. Foi apresentada, muito cedo, à dura realidade chinesa, tendo
trabalhado em um abrigo para mulheres escravas e prostitutas. Estava tão
identificada com a China que recebeu, até mesmo, um nome chinês: Sai Zhen Zhu.
Por tudo isso, não estranho que o foco de seus mais de 110
livros, entre romances, contos, ensaios, além de dezenas de novelas de rádio,
tenha sido, quase que exclusivamente, esse país, que conhecia tão bem e pelo
qual se afeiçoou tanto. Afeiçoar, aliás, é dizer pouco. Na verdade, Pearl Buck
apaixonou-se pela China! A escritora completou sua educação nos Estados Unidos.
Formou-se em Psicologia, em sua terra natal, em 1914, mas regressou à sua
segunda pátria, para lecionar em uma escola presbiteriana local e cuidar da mãe
doente. Em nova passagem pelos EUA, obteve, ainda, mestrado em Literatura, em
1926, pela Universidade de Cornell. A despeito da sangrenta guerra civil que
então estraçalhava sua pátria de adoção, regressou à China, ciente dos riscos
que corria, sobretudo por causa da hostilidade, por parte das facções em
conflito, aos estrangeiros. Mas voltou por sentir no íntimo que ali muita gente
inocente precisava de sua ajuda.
Pearl Buck só deixou de vez esse país tão problemático por
haver sido expulsa dali, em 1934, pelos nacionalistas, que tomaram o poder,
oportunidade em que foi removida, primeiro para o Japão e, posteriormente, para
os Estados Unidos. Nunca mais lhe permitiram regressar à China, onde viveu
metade da vida, apesar das inúmeras e sucessivas tentativas que fez para tal.
Por estas e outras, nunca tive grande apreço (na verdade, não tenho nenhum)
pela imensa maioria dos políticos.
A última vez que Pearl Buck tentou voltar à China foi alguns
meses antes da sua morte (ocorrida em 6 de março de 1973, na cidade de Danby,
aos oitenta anos de idade). Em vão! O mundo vivia, então, o auge da chamada “guerra
fria” e o poder era exercido, com mão de ferro, por Mao-Tse-Tung. O argumento
para a recusa foi o de que a escritora era “agente imperialista”. Ora, ora,
ora... No entanto, tudo indica que, finalmente, os chineses estão prestes a lhe
fazer justiça, mesmo que postumamente. Até que enfim, as autoridades locais têm
um sopro de racionalidade, lucidez e bom senso. Notícias dão conta que a casa
em que Pearl Buck e sua família viveram, na cidade de Zhenjiang, nas
proximidades de Xangai, está sendo reformada e transformada em um museu em sua
homenagem. Antes tarde do que nunca.
Ufa! Como foi difícil alguém entender que essa mulher
inteligente, lúcida, idealista e batalhadora promoveu, no Ocidente, a China e
sua cultura muito mais do que qualquer medalhão local, ou mesmo seu aparato
oficial de propaganda, mesmo sem nunca contar com o mínimo reconhecimento por
parte das autoridades!!! Como prova dessa eficiente divulgação, estão aí seus
mais de 110 livros, muitos dos quais obras-primas da literatura mundial – que
lhe garantiram, inclusive, a conquista do Prêmio Nobel de Literatura de 1945. Em
torno de cinqüenta deles foram traduzidos e publicados no Brasil, podendo ser
encontrados nas boas bibliotecas e em vários sebos, para quem queira adquiri-los
– dos quais tratarei na sequência.
Ressalte-se e enfatize-se, todavia, quantas vezes for
necessário, que ninguém tratou, e em tempo algum, com tamanha sensibilidade,
capacidade de observação e interesse humano, dos milenares problemas chineses –
que só agora vêm sendo parcialmente atacados pelas autoridades locais – do que esta norte-americana que, reitero, sempre
teve “a China nas veias”.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Interesses políticos mais uma vez impedindo o crescimento cultural.
ResponderExcluir