segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Falta de espaço

* Por Daniel Santos

Em algum momento, o que era amor desandou. A mulher passou a ocupar a maior parte da cama, além de puxar a coberta só para si, enquanto o marido encolhia-se num desconforto; para ele, incompreensível.

Tanto a mulher se esparramou no leito, que ele passou à sala, mas o sofá de superfície irregular maltratava-lhe a coluna; daí, as insônias. Ia, então, espiar a esposa: ela ganhava espaços de maneira preocupante!

O marido ponderou que deveriam procurar um médico e, em resposta, ela rosnou algo assustador. E mais assustadora tornou-se, quando seu corpo já desmedido forçou a parede e ela ganhou, enfim, a sala.

A cada dia mais imperativa, a mulher confinou o homem na cozinha, onde ele preparava pratarrazes na vã tentativa de saciá-la: ou sustava sua voracidade, ou teria de sair de casa – estava bem certo disso.

Quando se viu, finalmente, na iminência da exclusão, disse à esposa que teria de sair à procura de nova casa onde eles coubessem como antes. Já na rua, apressou o passo. Logo, corria. Na primeira esquina, sumiu.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



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