Vestindo sentimentos nobres de cândida
poesia
O livro “IbirAMARes e outros poemas”, do escritor
catarinense Harry Wiese (Editora Nova Letra), é um primor, tanto no que se
refere á edição (cuidadosa e inteligente), quanto, e sobretudo, ao seu rico
conteúdo. É, sem nenhum exagero, régio “banquete” de sensibilidade,
inteligência e beleza para o leitor. Mesmo para aquele mais distraído ou que
não é habituado a ler poesia e que é, portanto, incapaz de detectar e de
usufruir, por si só, as lições de vida que ela contém. E elas são muitas,
ousaria dizer infinitas. Não por acaso, Sigmund Freud, um cientista, tido e
havido como o “pai da psicanálise”, tinha especial apreço por romancistas e...
por poetas. Pudera!
Em um de seus tantos escritos, esse cauteloso pesquisador da
alma humana (sobretudo do que de mais secreto e recôndito ela contém), afirmou:
“Os poetas e os romancistas são aliados preciosos, e o seu testemunho merece a
mais alta consideração, porque eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas
que a nossa sabedoria escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da
alma, nossos mestres, que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não
se tornaram ainda acessíveis à ciência”. E Harry Wiese demonstra, no seu livro,
que conhece a alma humana melhor do que qualquer renomado e competente psicólogo,
psiquiatra ou psicanalista.
O livro “IbirAMARes e outros poemas” é dividido em cinco
partes, cinco seções, cinco vertentes temáticas que, além de facilitarem a
leitura, permitem ao leitor concentrar-se em cada tema abordado, extraindo o
que tem de melhor, sem ser dispersivo. Esta divisão é a seguinte, pela ordem: “Existência”
(com 15 composições), “Ecologia” (18), “Amor” (com 8) “Metapoesia” (com 7) e “Profecias”
(com um único e longo poema). Dada sua relevância, proponho-me a comentar,
oportunamente, cada uma delas separadamente. Por hoje, concentro-me, apenas, na
apresentação do livro, feita pelo próprio autor e, principalmente, em sua
citação do poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio
Nobel de Literatura de 1990 (sobre o qual escrevi, tempos atrás, longa série de
comentários abordando sua vasta e eclética obra).
O poeta catarinense cita, especificamente, a caracterização
de poesia e de poema feita, em memorável ensaio, por esse premiado escritor das
Américas, por se tratar daquilo em que crê e que baliza sua própria obra
poética: “A poesia é conhecimento,
salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade
poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de
libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento
maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração,
respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é
alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero...”
E, mais adiante, amplia a citação: “Poesia
é oração, litania, epifânia, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação,
compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações,
classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos, objetivos
e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem”.
E Harry Wiese complementa essa definição, tão enfática e
bela a ponto de nos tirar o fôlego (ela própria um poema à “poesia”), citando
este outro trecho, também de um ensaio de Octávio Paz, do livro “Labirinto da
solidão”: “O homem moderno tem a
pretensão de sonhar acordado. Mas este desperto pensamento nos levou pelos
corredores de um sinuoso pesadelo, onde os espelhos da razão multiplicam a
câmara da tortura. Ao sair, por acaso descobriremos que tínhamos sonhado com os
olhos abertos e que os sonhos da razão são atrozes. Talvez, então, comecemos a
sonhar outra vez com os olhos fechados”. Lindo! Lindo e verdadeiro. Com
essa citação, Harry Wiese deixa claro qual seu entendimento de poesia. E explicita
que normas e princípios delimitam e caracterizam seus poemas. Ou seja, os que
nos induzam a “sonhar com os olhos fechados”.
A título de exemplo, partilho com você, amável leitor, esta jóia
de poesia que integra “IbirAMARes”. Trata-se de um primor da arte de “pintar”
cenários, posto que não com tintas e pincéis, mas com palavras, com
inteligência, mas antes e acima de tudo com intensa sensibilidade:
Visão para uma noite
“As nuvens alvas que envolvem as
montanhas
Convidam a noite com seus sortilégios
Para a consoada derradeira.
Ninguém sabe de onde vêm,
Ninguém sabe para onde vão.
As montanhas engolem as nuvens
E vomitam a escuridão.
O suor deixou sal nos poros e nas rugas
dos homens,
Fruto-labor,
Fruto-amor
Nas fábricas e no campo.
As ruas se preparam para a utopia,
E não há mais vaga-lumes! Vaga-lumes?
Há lâmpadas fracas nos postes.
E os homens?
Existe uma vontade imensa de amar
mulheres,
Mas os fantasmas manipulam as trevas e
o prazer.
Quanta fúria vejo nas veias do dragão
E a melancolia da noite se arrasta
Até o cume das montanhas.
O nevoeiro, também sufoca a noite,
Os mistérios
E os homens”.
Notem a variedade, originalidade e riqueza das metáforas, o
que se repete em cada poema do livro. Harry Wiese abre essa sua obra-prima
poética, antes mesmo da pertinente apresentação que faz dela, com uma citação
do seu ilustre conterrâneo, João Cruz e Sousa. É esta em que o “cisne negro”
constata que “o sentimento, quando nobre e raro, veste tudo de cândida poesia”.
E é o que ele faz, da primeira à última página, de “IbirAMARes”. Ou seja, veste
tudo de cândida poesia, porquanto o sentimento que o inspira e o move é nobre e
raro.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Deu para sentir que não há exagero nos elogios.
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