Tarde
demais 30 – O voo e a peça do filho
* Por
Gustavo do Carmo
“Atenção, senhores
passageiros do voo RH2227 com destino ao Rio de Janeiro: embarque adiado para
os próximos 50 minutos”. Anunciou a locutora de voz nasal e pausada do
aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
E nauseado de
ansiedade e preocupação ficou Agildo, que precisava embarcar o mais rápido
possível para o Rio de Janeiro, onde mora, na Barra da Tijuca, com a esposa e o
filho único. Adolfo, de nove anos, iria estrear como ator na peça da escola.
Engenheiro mecânico, o
pai do menino foi obrigado a se reunir com a matriz de sua empresa em São
Paulo. Prometeu voltar para a apresentação teatral do filho, às sete da noite.
Assim garantiu para a esposa Jaqueline e o próprio Adolfinho, durante o café da
manhã, antes de sair de casa para o aeroporto.
Agildo só não contava
com a chuva torrencial que caiu sobre São Paulo no meio da tarde. O temporal
começou quando ele deixava a reunião, por volta das três horas. Pegou um táxi e
também um enorme engarrafamento que durou uma hora e meia. Por sorte, o taxista
oferecia livros e revistas como passatempo.
Agildo não conseguiu
se distrair. Estava preocupado com o tempo. Não queria decepcionar o filho que
o considerava um herói. No Rio de Janeiro, o futuro ator foi para a escola, por
volta das quatro da tarde, para começar a se preparar para a peça, passar o
texto pela última vez e se maquiar.
Às quatro e meia,
Agildo chegou ao aeroporto. A fila do check-in
da ponte aérea estava enorme. Levou meia hora para ser atendido. Pelo menos o
atendimento foi rápido e só durou cinco minutos. Foi a um restaurante comer
alguma coisa porque estava morrendo de fome. Seu voo estava marcado para as
seis horas.
Se voasse mais cedo,
esperaria chegar ao Rio às sete da noite, pegar um táxi e ainda pegar metade da
peça do filho, em Botafogo. Se tivesse saído mais cedo da reunião daria para
chegar no horário. Mas ficou conversando com o presidente da empresa.
Só que agora ele estava
ciente de que o voo ia atrasar e que pegaria mais engarrafamento no Rio. A
locutora do aeroporto confirmou o fim dos planos de Agildo.
“Atenção, senhores
passageiros do voo RH2227 com destino ao Rio de Janeiro: embarque adiado para
os próximos 50 minutos”. Anunciou a locutora de voz nasal do aeroporto de
Congonhas, em São Paulo.
Nauseado com o
estresse, Agildo precisou pegar o celular para avisar que as esperanças de ver
o filho se apresentar na escola morreram.
— Amor, o Adolfinho
está por perto?
— Não. Ele está no
camarim.
— É, amor! Não vai dar.
Não vou poder ver o nosso filho se apresentando.
— Eu sabia. Você
sempre priorizando o seu trabalho, né?
— Priorizo sim e você
sabe o porquê! Respondeu rispidamente com a esposa, de quem está pensando se
separar por causa das cobranças.
Mas acaba desistindo
por causa de Adolfinho. Reconhece que não tem dado atenção suficiente ao seu
filho único, que nunca lhe cobrou nada.
Por ele, largaria tudo
para dar mais tempo à família e também à sua saúde. Porém, precisava levar
dinheiro para casa, já que a esposa não trabalha e os pais são idosos e
necessitam de empregada, acompanhantes e muitos remédios.
A conversa entre o
casal continuou e Agildo ainda disse:
– Me esperem aí na
escola que eu busco vocês para fazer um lanche para comemorar. E não diga nada
ao Adolfo que eu não vou poder assistir à peça.
— Tudo bem. Você que
sabe. Finalizou Jaque, contrariada.
A exemplo do voo de
Agildo, a peça, uma remontagem de O Bem Amado, de Dias Gomes, foi adiada em uma
hora porque caiu uma goteira no auditório da escola. Choveu muito também no
Rio. Ruas se alagaram e o trânsito ficou parado. Jonas, o diretor e professor
de artes, foi um dos que ficaram presos no engarrafamento, mas chegou em cima
do novo horário.
Adolfinho
interpretaria o matador de aluguel Zeca Diabo, contratado pelo prefeito Odorico
Paraguaçu para matar algumas pessoas na cidade de Sucupira e poder inaugurar o
seu cemitério. O espetáculo começou e Agildo finalmente embarcou no avião, ainda
em São Paulo.
O tempo melhorou e
cerca de cinquenta minutos depois, Agildo já estava no Rio. Enfrentou mais uma
fila: a do táxi. Esperou meia hora. Já estava quase chegando à escola quando o
seu celular tocou. Era Jaque.
— Agildo, vem direto
pra casa. Não pudemos esperar.
Agildo atendeu à ordem
da esposa e foi para a Barra da Tijuca. Ao
abrir a porta do apartamento, mal entrou na sala e Adolfinho correu ao seu
abraço, ainda com o rosto manchado de lágrimas.
Ele apenas disse:
— Obrigado, papai!
Agildo pensou: “Com nove
anos, o meu filho já sabe ser irônico?”. Culpado, ele se desculpou:
— Poxa, meu filho.
Perdoa o seu pai por não ter ido à sua estreia teatral.
— Eu perdoo, sim. Não
estava sendo irônico. Eu estou agradecendo mesmo. Fui um fracasso. Fiquei mudo o
tempo todo. O tio Jonas, diretor da peça, a interrompeu várias vezes para me chamar
atenção. Mesmo assim, não consegui falar nada. Ele perdeu a paciência e me
expulsou aos gritos. Fui vaiado e substituído.
— Foi por minha culpa,
meu filho! Me perdoa! Disse Agildo, já chorando de tanto remorso.
— A culpa foi toda minha, pai. Eu estava era
pensando na minha colega por quem estou apaixonado, que fez a esposa do Dirceu
Borboleta. Eu estou te agradecendo é por você não ter chegado a tempo de ver o fim
da minha carreira. Chegou tarde demais, mas na hora certa. Ficaria ainda mais
arrasado se o meu herói, que é você, visse o meu vexame.
Agildo largou a
carreira de engenheiro. Virou agente do filho, que voltou a ser ator depois de
fazer um curso de interpretação.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance
“Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea
“Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess -
http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Seu blog, “Tudo cultural” -
www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores
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