Retratos
não vividos
* Por Rodrigo
Ramazzini
Uma rajada de vento entrou pela porta
dos fundos e derrubou um vaso de flor. Um segundo sopro fez a porta fechar-se
violentamente. Com o barulho da batida, Claudinha despertou. Ancorado no seu
peito, um álbum de fotografias.
A noite mal-dormida fora confidenciada
pelo cochilo no sofá. Sentou-se e espreguiçou-se. O álbum escorregou para cima
de suas coxas. Era de capa branca, com detalhes de linhas douradas entrelaçadas
no centro. Apreciou-a. Seus pensamentos logo se remeteram ao passado. Então,
resolveu folhá-lo página por página.
Virou a primeira folha. A imagem da sua
festa de quinze anos. No ato célebre de apagar as velinhas. Grande festa
aquela. Todos os colegas da escola reunidos.
– Onde foram parar todos? Indagou-se.
Outra página. O sonho, uma carreira.
Eis o que representava aquela figura, de sorriso largo, vestida a caráter, com
um canudo na mão. A formatura! Final tão esperado. Começo de novos caminhos.
– É! –
proferiu, soerguendo as sobrancelhas.
Folheou o álbum novamente. Retratada
estava a ação típica das noivas: o arremessar do buquê. “Encalhadas” em um
surto coletivo na busca do bom futuro prometido pelo simples agarrar do
ramalhete completavam a foto.
- Aqui estaria a lua-de-mel...
Seguiu indicando a localização na
página.
A lua-de-mel. Retratos evidenciando em inúmeras
folhas o sentimento maior: o amor. Poses e risos não faltariam para registrar a
felicidade deste determinado momento.
- O destino assim desejou... – sussurrou
baixinho.
Nas páginas seguintes muitas fotos de
ocasiões felizes: férias, passeios, viagens, encontros familiares,
aniversários, shows etc. Momentos de uma vida inteira ali contados. Espirrou
fortemente. O álbum quase caiu de suas mãos. Quando o reabriu, a memória da
gravidez apresentou-se. O mês a mês da evolução da vida eternizado em um
retângulo. Fotos de um momento que se repete diariamente, mas único para quem o
vive.
- Se chamaria Gabriel... – lacrimejando,
pensou.
Uma
lágrima caiu sobre o álbum. Indagou-se:
- O que estou fazendo?
Limpou rapidamente a folha com a
camiseta. Os devaneios de uma mente produzem imagens quase reais. Coisas não
vividas. Sensações não sentidas. De quem dependiam para acontecer?
Fechou o álbum de fotografias que dará
para a sua sobrinha no próximo sábado. Ela completará quinze anos. Um álbum
novo. Em branco.
Suspirou fundo e proferiu:
- Se tivesse sido assim...
E foi juntar o vaso de flor que caíra
com o vento...
*
Jornalista e contista gaúcho
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