No
tabuleiro de xadrez
* Por Sílvio Lancellotti
Jogava um Xadrez bem acima do
nível dos seus colegas de redação. Fora, diversas vezes, o campeão
universitário de seu Estado, fora medalha de bronze num torneio nacional.
Assim, quando o seu editor o mandou à cidade de Petrópolis, para reportar o
certame Interzonal que classificaria os eventuais desafiantes do magistral
Bobby Fischer, não hesitou: levou o seu tabuleiro portátil. Certamente, em
horas vagas, encontraria tempo para disputar algumas pugnas com outros
jornalistas incumbidos, também, da cobertura do evento.
Muitos dos seus adversários eram
ex-profissionais das 32 peças – e as suas chances de vitória se limitaram aos
momentos em que, além de atentarem aos movimentos, bebericavam lautas doses de
álcool pesado. Chegou a bater dois ou três, distraídos porque bebaços. Decidiu
que não introduziria aqueles sucessos no seu currículo. Então, no Interzonal,
começou a brilhar o talento de um jovem Grande Mestre do País – incrível,
ficaria entre os três qualificados.
Seu editor lhe enviou o recado
urgente: consiga, imediatamente, uma entrevista exclusiva com o moleque. Embora
um misógino isolacionista, particularmente controvertido, de personalidade
complexa, como os gênios em geral, o rapaz se envaideceu com a oportunidade de
se tornar o assunto de capa de uma revista de enorme tiragem. Passou a dedicar
todo o seu tempo livre às conversas com o enviado da publicação. Até que, um
dia, enquanto ambos almoçavam juntos, aceitou o seu convite para um duelo no
tabuleiro.
Aconteceu nos jardins do hotel em
que todos se alojavam. O Grande Mestre permitiu que o enviado começasse o
prélio, a vantagem de atuar com as brancas e de realizar o primeiro lance, a
definição estratégica que define a imensa maioria dos embates da modalidade.
Tentativamente malandro, o enviado optou pela Abertura Inglesa, especialidade
de Viktor Korchnoi, um inimigo a quem o jovem odiava. Perdeu em 35 movimentos,
orgulhoso por ter resistido tanto tempo a um Grande Mestre. Enfim, ao baixar o
Rei, se sentiu compelido a ampliar a sua satisfação e perguntou ao Grande
Mestre em que instante percebera que o derrotaria. A resposta sibilou,
humilhante, e feroz:
“Assim que nós dois nos sentamos
à mesa”.
* Diplomou-se
em Arquitetura.
Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou
editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de
publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”,
fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou comentarista de
esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha,
além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é
sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.
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