segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Canção sem palavras

* Por Daniel Santos


Dois: ele e ela. Jovens: ambos por volta dos 23 anos. E, a contrariar a expectativa de uma idade em que se tem muito a conversar, entraram calados no restaurante, sentaram-se sem dizer palavra e mudos ficaram.

Pareciam alheios um ao outro, distantes mesmo, embora de mãos dadas como algemados. De vez em quando, ele beijava a mão dela. De vez em quando, ela beijava a mão dele. Olhos perdendo-se em cursos opostos.

O garçon estendeu-lhes o cardápio. Ela queria pouco, que estava de regime. Ele, apenas para acompanhá-la, pouco comeu. E durante a janta cumpriam o silêncio com ar de fastio como se estivessem empanturrados.

Embora nada dissessem, pareciam ansiosos para escapulir, mas logo disfarçaram o tédio: ela atirou-lhe um beijo discreto enquanto passava o guardanapo e ele sorriu em resposta, se bem sem as cores do entusiasmo.

Dispensaram sobremesa e cafezinho. Pagaram sem conferir a conta e nem esperaram pelo troco que não era pouco. O garçon ainda tentou alcançá-los, mas sempre de mãos dadas iam já longe. Os dois: ele e ela.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.




Um comentário:

  1. Se começam assim, "o que dirá" dentro de um mês? Conheci gente, meus pais, que assim eram e assim permaneceram por 31 anos.

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