Postura condenável de
um gênio das letras
O fato de admirarmos
determinada personalidade – e, no nosso caso (no meu, particularmente), algum
escritor específico – não quer dizer que concordemos com absolutamente tudo o
que ela fala, faz ou mesmo escreve. É preciso separar as coisas. O mesmo
raciocínio vale no caso oposto. Ou seja, o de detestarmos alguma de suas obras
não pelo seu conteúdo, mas por discordância de alguma de suas posturas,
atitudes e idéias. Por exemplo, nunca deixei de gostar dos poemas de François
Villon apenas porque ele foi perigoso bandido, que chegou a ser condenado à
morte à revelia pelas atrocidades que cometeu. Sua poesia foi excepcional,
embora ele fosse um ser humano moralmente abominável. Há muita gente que, para
o bem ou para o mal, mistura as coisas, faz esse tipo de confusão e deixa de
usufruir, por isso, boa literatura, posto que feita por maus sujeitos.
Esse preâmbulo vem a
propósito de Aldous Huxley. Não que o considere, sequer remotamente, parecido
com Villon ou com tantos outros rematados bandidos, notórios canalhas que, no
entanto, escreviam (ou escrevem) bem e expunham (ou expõem, pois ainda existem
indivíduos assim) idéias nobres, construtivas e dignas de imitação, longe
disso. Como escritor, ele está no (extenso) rol dos meus preferidos e não
somente pela sua obra-prima, “Admirável mundo novo”, mas por tantos outros
livros, como “Contraponto”, “Sem olhos em Gaza”, “Ronda grotesca”, “Também o cisne
morre” e vai por aí afora. Para mim, trata-se de um gênio, digno de imitação.
Tenho, é fato, uma ou
outra restrição literária a fazer à sua obra, mas nada de sério, que sequer
mereça menção. Contudo nunca consegui entender, e muito menos “engolir” (no
caso concordar), com uma de suas atitudes específicas mais polêmicas, porém de
grande alcance humano. Trata-se da apologia que fez de algo que todos
especialistas na matéria são unânimes em garantir que é nocivo e a médio prazo
letal. Refiro-me à sua defesa da utilização de drogas, principalmente do “ácido
lisérgico”, o nefasto e perigoso LSD, a pretexto desse veneno atuar como uma
espécie de “catalisador” de processos mentais que ampliaria quase que ao infinito
a criatividade. Destaco, em sua defesa, que ele enfatizava que era favorável ao
uso “responsável” dessa substância. Só que jamais explicou no que consistiria
essa “responsabilidade”. E nem poderia. Isso é inexplicável!
Huxley fez uso de outra
droga que não apenas o LSD, no caso a mescalina, e relatou essa experiência em “As
portas da percepção” (“The doors of perception”), livro publicado em 1954, que
exerceu certa influência na geração hippie. Fico imaginando quanto talento se
perdeu, quanto jovem de imenso potencial e criatividade teve morte prematura,
quanta família não se desagregou influenciados por esse quase convite ao vício,
ao ingresso em pleno inferno, achando que adentravam o paraíso. Jamais poderia
concordar com essa apologia ao consumo de drogas e sequer por questão moral,
mas por algo mais prático e direto, como a preservação da saúde física e mental
das pessoas. A responsabilidade do comunicador é imensa em relação ao que
comunica. Ele nunca sabe quem será influenciado por sua comunicação, para o bem
ou para o mal.
O livro de Huxley, em
que narrou suas experiências com mescalina, teria inspirado, por exemplo, o
nome da banda de rock “The Doors”, embora muitos atribuam esse título do
conjunto a um verso do poeta William Blake. Foi notória a influência desse
escritor em vários artistas do show business dos anos 50, 60 e 70 do século XX.
Era, por exemplo, uma espécie de ídolo dos Beatles, que escolheram seu rosto,
entre o de dezenas de personalidades, para figurar na capa do mais famoso álbum
dos cabeludos de Liverpool, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Várias faixas
desse disco têm letras em que se sugere o consumo de drogas para aguçar a
percepção das pessoas.
E mais: a antológica
canção “Lucy in the Sky with Diamonds” é claríssima alusão ao LSD. Basta
abreviar o título dessa composição. E, como se não bastasse, o beatle Paul
McCartney admitiu, em uma entrevista, que se tratava disso mesmo. O curioso é
que Aldous Huxley tinha hábitos sóbrios e comuns, em nada parecidos com o
comportamento dos hippies. Mas... defendia o uso de psicoativos como forma de
explorar, ao máximo limite, as potencialidades da mente na busca dos grandes
princípios da Antropologia, da Filosofia e das Artes. Ele foi fiel a essa
posição (condenável por todos os motivos possíveis e imagináveis) até a morte.
A enciclopédia eletrônica Wikipédia informa que esta ocorreu da seguinte
maneira: “Nos últimos dias, impossibilitado de falar, Huxley escreveu um pedido
à sua mulher para ‘LSD, 100 µg, intramuscular’ (100 microgramas de LSD,
aplicação intramuscular). Ela injetou uma dose às 11:45 e outra algumas horas
depois. Ele morreu às 17:21 do dia 22 de novembro de 1963, aos 69 anos”. Ou
seja, deixou a vida delirando com os pesadelos causados por essa droga.
Ironicamente, sua morte
mereceu discretas notinhas de pé de página nos principais jornais do mundo.
Sabem por que? Pensem um pouco. Quem morreu na mesma data? Isso mesmo. No dia
22 de novembro de 1963, o presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy
foi assassinado, em Dallas, no Texas, crime que até hoje permanece controverso,
com muitas pessoas (desconfio que a maioria) convictas que o suposto assassino,
Lee Harvey Oswald, não passou de mero “bode expiatório” para esconder os
verdadeiros matadores, participantes de um alegado complô que envolveria CIA,
Máfia, Cuba e escambau. Vá se saber! Muita gente foi saber semanas, meses e até
anos depois que Aldous Huxley havia morrido.
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.
Talvez hoje nem fosse publicado tal livro. Fala-se, mas não há essa liberdade toda.
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