sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A importância das academias

O assunto sobre o qual venho sendo mais questionado, nos últimos dias, é o que se refere à importância das academias de letras (e não somente da ABL, mas das estaduais e municipais) na vida de um escritor. O segundo tema que me tem sido mais proposto – e do qual tratei creio que na medida certa – é o da atribuição do Prêmio Nobel de Literatura ao francês Patrick Modiano, conhecido em seu país como “A Voz de Paris”, pela fidelidade e indisfarçável paixão que tributa á “Cidade Luz”. Claro que, junto com a justiça ou não dessa premiação, pediram-me que opinasse sobre os critérios (ou falta deles) adotados pela Academia Sueca na definição dos premiados. Creio que, neste quesito, satisfiz aos meus queridos questionadores. Pelo menos nenhum deles contestou os comentários que fiz a propósito.

A questão da importância das academias de letras veio à baila com a eleição, em 9 de outubro de 2014, do poeta, dramaturgo, crítico de artes plásticas e ensaísta Ferreira Gullar para a casa fundada por Machado de Assis, obtendo 36 dos 37 votos dos acadêmicos aptos a votar. A principal indagação, na verdade especulação, refere-se ao o que teria levado o ilustre intelectual a mudar de idéia, já que, nos últimos vinte anos, vinha recusando, sistematicamente, a se candidatar a uma cadeira na instituição. Todavia, para gáudio de seus pares (e de milhões de seus leitores e admiradores entre os quais, claro, me incluo), agora, aos 84 anos (completados em 10 de setembro) decidiu atender aos apelos de amigos e até de inimigos e competir por uma vaga. O resultado não me surpreende e muito menos a quase unanimidade dos que dele foram informados. O único voto não favorável a Ferreira Gullar foi... em branco. Desconfio que o acadêmico que o deu, por alguma razão, “esqueceu de votar”. Ou seja, não escreveu na cédula o nome do poeta, embora pensasse o tempo todo nele. Vá se saber, não é verdade?!

Bem, a chegada de Ferreira Gullar à tão criticada Academia Brasileira de Letras – mas tão pouco conhecida não somente do público, mas também (e principalmente) dos meios de comunicação – é tão relevante, que pretendo comentá-la, com bastante vagar, como, aliás é meu costume com temas que considero relevantes, nos próximos dias. Hoje vou discorrer, posto que com brevidade, sobre por que considero importante um escritor, de reconhecidos méritos, se tornar acadêmico.

Para tanto, peço licença para reproduzir trecho de uma crônica que escrevi em 27 de maio de 2007, intitulada “Guardiões da tradição”. Nela, opinei: “As pessoas têm uma visão equivocada dos membros das academias de letras, não apenas da Campinense, mas de qualquer uma. Pensam que se trata de um clube de velhinhos, que se reúne para permitir que seus componentes joguem conversa fora, acompanhando o bate-papo com cházinhos e torradas. Não é nada disso, é claro! Outros, deslumbrados com a importância social e especialmente cultural dos seus integrantes, entendem que é um conjunto de ‘deuses’ que consomem ‘ambrósia’ em profusão durante suas reuniões, sem outras preocupações que não sejam as belas letras. ‘Afinal, não são imortais?!’, argumentam”.

Em seguida, ponderei: “A Academia, é verdade, enche (e deve encher) de orgulho os que conseguem ser guindados a ela por seus pares. Ninguém obtém ali alguma cadeira por mera simpatia, por riqueza ou posição social que ocupe. Consegue apenas por mérito. A eleição é conseqüência natural de muito e consistente trabalho intelectual e até de certo consenso nos meios culturais da cidade (ou do Estado, ou do País) quanto ao seu valor. Porém, mais do que honraria, é missão. Implica em responsabilidade. Pressupõe continuidade de produção intelectual – poesia, romance, conto, crônica, teatro, ensaio, ou seja que gênero for – por todos os dias da vida, até o momento de ‘ficar encantado’, que é como Guimarães Rosa qualifica o momento da morte de um escritor”.

Ao final da crônica, concluí: “O acadêmico só se torna imortal na medida em que imortalize a cultura de seu tempo e de sua comunidade. Porque a Academia é, acima de tudo e de qualquer coisa, a guardiã das tradições da cidade (ou do Estado ou do País, dependendo da sua natureza e abrangência)”. Admito, sem nenhum constrangimento, que sou suspeito (na realidade, suspeitíssimo) para tratar desse tema. Afinal, há já 22 longos e profícuos anos, tenho o privilégio e a honra de ser membro da Academia Campinense de Letras. Contudo, os que me questionaram a propósito sabiam (e sabem) dessa minha condição. Ela não é segredo para ninguém, até porque consta de todos meus currículos literários. Daí, não me considerar suspeito, e nem alimentar nenhum constrangimento ou dor de consciência, para advogar em causa própria.

A importância ou não dessa condição depende do próprio acadêmico. Muitos batalham por anos para serem guindados a alguma academia apenas por questão de vaidade. Que mal há nisso? Afinal, ninguém compra votos para se eleger e nem se elege por mera simpatia ou condição social. Ao lançar sua candidatura, o postulante é instado a apresentar meticuloso currículo e é indispensável que tenha obra literária publicada. Se consegue se eleger, é porque seus pares veem méritos em sua trajetória lítero-cultural. Todavia, a maioria dos que postulam uma cadeira participa ativamente da vida da instituição. Uns, integram cargos de diretoria ou até a presidência da casa. Outros tantos, dão cursos literários, fazem palestras, conferências e participam de simpósios, nacionais e/ou internacionais. E alguns redigem meticulosos dicionários, mantendo vivo nosso dinâmico idioma. Justificam, portanto, mais e mais, a condição de acadêmicos.

Claro que eu, como a maioria dos colegas (que chamamos, formalmente, de “confrades”), aspiramos galgar outras academias – no meu caso, minha aspiração é a de chegar primeiro à Paulista e, se Deus me der vida e lucidez, à casa de Machado de Assis. Alguns conseguem, não raro após décadas de atividades. Outros tantos (entre os quais me incluo), geralmente por causa de circunstâncias adversas, limitam-se a sonhar. Vocês querem, todavia, algo mais precioso, delicioso e motivador do que um sonho que acalentemos e do qual corramos atrás até nosso derradeiro suspiro? Afinal, a vida é, ao final e ao cabo, constituída de motivações, porquanto, no duro, no duro, ela não passa de imensa ilusão, dada nossa efemeridade...

Boa leitura.


O Editor

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário