A excursão
* Por Rodrigo Ramazzini
- Alô!
- E aí, vamos?
-
Com esse tempo?
-
Pô! Vai amarelar logo agora na semifinal, Denílson?
-
Está bem! Me pega em frente ao chaveiro às 18h.
-
Ok. Vamos de Kombi hoje. O resto da turma já confirmou presença.
Era um daqueles jogos
intitulado “do ano” para o time. Há tempos o clube não chegava a uma fase tão
avançada de campeonato. Denílson e sua turma não perdiam um jogo. Era a “turma
de fé”, como diziam, mas havia uma ponta de superstição também, pois desde que
criaram a excursão para assistirem as partidas de futebol no estádio, o clube
nunca mais perdeu.
Exatamente
às 18h14min a Kombi parou em frente ao Chaveiro. Chovia torrencialmente há
cerca de seis horas. Denílson embarcou na Kombi e logo o Fino lhe “atirou” uma
cerveja e alertou – “Abre os trabalhos senão dá azar!”
A
viagem prometia ser tranqüila como nas vezes anteriores. Porém, o primeiro
percalço daquele dia não tardou em acontecer. A Kombi
ano 77 tinha um problema nos vidros. Nenhum deles abria. Se abrissem não
fechavam. Como tinha quatorze pessoas dentro dela, criou-se o chamado “bafo”, o
que embaçou os vidros, principalmente o pára-brisa. Coube ao Paulinho a tarefa
de limpá-los durante o percurso para melhorar a visão do motorista. Visão já
prejudicada pela quantidade de chuva. Além do calorão dentro da Kombi, o
problema maior foi quando o Viera soltou um peido. – “Não me agüentei!” –
argumentou.
O
Gilsinho (motorista) teve que parar a Kombi pela primeira vez. “Sufocados”,
mesmo na chuva, todos saltaram para fora e abriram as portas. Aproveitaram a
interrupção para dar a primeira urinada. – “É a cerveja!” – falou o Chico,
levando a gargalhar toda a turma. Passado o episódio do odor, a viagem
recomeçou sem maiores transtornos, com o pessoal contando piada e tomando
cerveja.
Rodados
alguns quilômetros, o Denílson, que estava sentado no banco da frente da Kombi,
notou que o Gilsinho girava freqüentemente o volante para manter-se reto na
estrada. Questionou, em tom de brincadeira – “Gilsinho, meu velho! O Kombão tem
folga na direção?” E ele redargüiu, sem tirar os olhos da estrada – “Tem uma
folguinha, mas não é muita. Carregada dá mais ou menos duas voltas”. Denílson,
discretamente, fez o sinal da cruz.
Chegaram
ao estádio por volta das 20h. Pararam apenas mais três vezes no caminho, mas
por necessidades fisiológicas. O jogo iniciava-se às 20h30min, mas como haviam
enviado o Gérson para a compra antecipada dos ingressos, não se preocuparam com
o avançado horário. Encontraram-no no local combinado. O Gérson estampava um
sorriso de “orelha a orelha”. Parecia ter feito algo grandioso. Logo
descobriram o motivo. – “Vocês nem sabem, consegui os ingressos de graça, junto
com a torcida organizada!” – exclamou.
Ele
só não apanhou da turma porque o jogo já estava quase começando. O local onde
ficava a torcida organizada era desprotegido da chuva, sem contar que a
referida torcida pulava o tempo inteiro, prejudicando o assistir da partida.
Sem falar também... Deixa pra lá!
Entraram no estádio e se
posicionaram no melhor local encontrado. Pararam próximo a uma queda de água.
Conforme o vento, os quatorze eram molhados. A torcida já fazia a sua festa.
Pulava, cantava e tremulava as suas bandeiras. A turma não deve opção: teve que
entrar no embalo.
As
centenas de pisadas nos pés, a chuva, a pouca visibilidade do campo, tudo foi
esquecido e compensado aos 39 minutos de jogo, quando o atacante adversário,
vindo ajudar a sua defesa em um escanteio, fez um gol contra. Festa! O time
estaria, após muitos anos, novamente em uma final.
Denílson
e sua turma se abraçam e prometem centenas de coisa caso o time seja campeão. O
Guga chegou a dizer que desfila pelo centro da cidade só com a sua cueca com o
logotipo do clube. O Breno que casa. O Marquinho que vem ao jogo de bicicleta.
E assim por diante, todos acabam prometendo alguma coisa. Fim do primeiro
tempo.
O
segundo tempo é de completa aflição. Faltam poucos minutos para o término da
partida. A final está próxima. O Paulinho já está de joelhos, o Viera de costas
para o gramado e o Chicão toma uma cachaça no bico para espantar o nervosismo.
São
decorridos 44 minutos do segundo tempo, o mesmo atacante que fez o gol contra
dá um chute a gol de longa distância e o pior acontece. O goleiro vai na bola
de forma atabalhoada e leva um “senhor frango”. Gol! Jogo empatado. Pelos
critérios, o time está fora da final. O sonho acaba.
Decepcionados
e irritados, saem do estádio, e enquanto atravessam caminhando o embarrado
estacionamento, com o Gilsinho à frente da turma, discutem arduamente a
participação de cada um no que classificam como “fiasco da história”. É o
presidente do clube, o diretor de futebol, o técnico, o goleiro, o árbitro,
todos são culpados pela desclassificação. Foi então que, o Gilsinho interrompe
a caminhada e murmura – “Meu Deus!” – e leva a mão ao peito. Apesar do tom de
voz, ele é escutado. Todos param. Segundos de reflexão. Um silêncio paira no
ar. Olhos atentos. E a trágica constatação – “Cadê a Kombi?”.
* Jornalista
e cronista
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