quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Visão realista de um arremedo de civilização


O que é civilização? E, em contrapartida, o que é barbárie? Sociólogos, jornalistas, filósofos, antropólogos e, sobretudo, historiadores falam muito sobre esses conceitos, mas a imensa maioria das pessoas mundo afora não tem noção exata (na verdade, não tem nenhuma) do que se trata. Aliás, a rigor, e sem nenhum exagero, oito entre dez habitantes do Planeta jamais pensaram nisso. Sejamos realistas: são raros os que pensam “qualquer coisa” que não seja banalidade. Quando muito, pensam em seus problemas cotidianos, mas não por muito tempo. Empurram as coisas com a barriga e se deixam levar pelas circunstâncias ou pelo acaso. Creiam, não estou dizendo nada de novo e nem de revolucionário. Basta observar o que se passa ao nosso redor para chegarmos, sem nenhum esforço, a essa constatação.

A pergunta, portanto, se destina aos que “pensam” e que são minoria. Bem, as definições de civilização e barbárie são bastante diferentes para habitantes de lugares bem diversos. Para um europeu, por exemplo (ou norte-americano, ou mesmo brasileiro de classe média) ser “civilizado” é ter acesso a determinados bens, materiais e/ou imateriais – como uma casa confortável em um bairro bem urbanizado, um carro de preferência potente e do ano, uma conta bancária recheada e a meios de informação e de cultura – sem o que não concebe uma vida minimamente digna, que valha a pena.

Até de forma inconsciente, consideramos que, os que não têm esses privilégios e confortos (não importa se por opção ou por incapacidade), são “bárbaros”. Será? Discordo! O conceito a esse propósito, digamos, de um aborígene da Tasmânia, ou dos membros de algum clã do Cazaquistão, ou de habitantes de determinados países insulares do Pacífico Sul, isolados e esquecidos por todos, tende a ser (provavelmente é) muito diverso deste. Eles não dão tanta (talvez nenhuma) importância a essas conquistas nossas, que consideramos o suprassumo de civilização. Para eles contam mais os laços de família, as tradições legadas pelos antepassados que se empenham em transmitir aos filhos e netos, e os costumes, virtualmente imutáveis, mesmo que a nós pareçam primitivos, selvagens, bárbaros, que cultivam. Quem está com a razão? Talvez ambos. Talvez nenhum. Honestamente, não tenho resposta, embora tenha preferência e pense muito no assunto. Mas com a visão do pesquisador, do escritor, da testemunha do tempo que vivo.

A civilização, em seus aspectos mais nobres, como a ética, o direito, a justiça social e a solidariedade, só evolui quando líderes iluminados e lúcidos conseguem conduzir esse imenso rebanho humano na direção do bem comum. Poucos, porém, são os povos, e os períodos, que contam com essa felicidade. Daí a história apresentar recuos e avanços, assim como as marés, que se sucedem e se mostram intermináveis através de gerações. As pessoas consideradas "comuns" sequer têm culpa disso. Reitero, nem pensam no assunto (isso quando pensam no que quer que seja que não se trate de um conjunto de banalidades, como o futebol, fofocas da vida alheia e outras tantas trivialidades, cuja citação é dispensável). Afinal, elas são alienadas. São frutos da educação (na verdade, da falta dela) que recebem (ou deixam de receber), determinada pela elite que as comanda. Esta é que decide como e "para o quê" os indivíduos devem ser educados. Ou seja, condicionados (na verdade, só adestrados como animais de estimação).

Mesmo nós, que temos o privilégio de ter acesso ao conhecimento e à informação, valorizamos em excesso esse simulacro de civilização que aí está e nos encantamos com os valores materiais que são seus fundamentos. Esquecemos que ela privilegia ínfima minoria, em detrimento da maioria, que vegeta na miséria, ignorância e violência. Fomos condicionados para tal. Surpreendemo-nos com notícias dando conta que apenas 85 bilionários, detentores das maiores fortunas, são proprietários da mesmíssima quantidade de riqueza que 40% da população adulta do mundo, ou seja, de 3,2 bilhões de indivíduos!!! Dependendo do nosso grau de consciência, ou nos indignamos com essa absurda distorção (mas nada fazemos para corrigir), ou logo esquecemos dessa informação. Quando não, mesmo que penalizados por tão surreal concentração de renda, a defendemos, argumentando com a tal da “meritocracia”. Ou seja, raciocinamos: “Se esses bilionários chegaram a essa condição, reuniram méritos para tal”. Será que reuniram? Todos eles? Essas fortunas são “todas” lícitas? Nosso questionamento, porém, não chega a esse ponto. E a vida segue.

É fato que vez ou outra criticamos as injustiças, mas o fazemos ou genericamente, ou pouco (ou nada) fazemos para mudar esse estado de coisas, mesmo tendo condições para fazer. O relativo conforto da vida moderna que eventualmente conquistamos nos amolece e neutraliza a fibra para lutar por ideais elevados, sobretudo os de caráter altruístico. Mas essa “civilização”, que tanto prezamos (ou que nada fazemos para aperfeiçoar e melhorar) é um fracasso, quando se sabe que dois terços da humanidade vegetam nos limites da indigência para sustentar os desperdícios do um terço restante. Concordo com o poeta Gibran Khalil Gibran quando, em seu magnífico livro “O Profeta”, constata: “A civilização é uma árvore idosa e carcomida, cujas flores são a cobiça e o engano e cujos frutos são a infelicidade e o desassossego”.

E será sempre assim, piorando de ano para ano, se não fizermos nada para mudá-la. Se continuarmos a entendê-la a partir de pressupostos equivocados. Se acharmos que são “civilizados” só os que têm acesso a uma boa moradia (com toda a parafernália que a vida moderna proporciona), a um carro potente e de preferência do ano, a uma boa universidade, às informações fartas e múltiplas etc. Mesmo que não digamos, somos tentados a achar que quem não conta com essas facilidades é bárbaro, inculto e vive na “idade da pedra lascada”. Mas os verdadeiros princípios de civilização não estão ligados a bens e/ou facilidades materiais. São o respeito irrestrito ao próximo, a solidariedade, a justiça e a bondade, entre outras virtudes.

Não foi sem razão, pois, que o escultor francês Auguste Rodin, criador da célebre escultura “O Pensador”, constatou: “A civilização não é, em suma, senão uma camada de pintura que qualquer chuvinha lava”. Pelo menos esta, que aí está, é (infelizmente) apenas isso e nada mais. Pessimismo? Longe disso! É realismo! Se fosse pessimista sequer pensaria no assunto. Tal conclusão, todavia, não é a do cidadão, pseudo-civilizado e satisfeito com seu padrão de vida, que considera adequado ou pelo menos aceitável, mas do observador, do pesquisador, do estudioso do comportamento, enfim, do escritor, testemunha do seu tempo. Mas... quem se importa?

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Cada lugar com seus costumes, e a cada dia menos extremos em suas características principais, devido a globalização e internet.Ainda assim persistem.

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