domingo, 26 de outubro de 2014

Especulações sobre influências sofridas por um enigma ambulante


O homem é um feixe de influências. São elas que determinam o que pensa, como age, o que faz e, enfim, o que é. As pessoas são influenciadas pelos pais, pelos mestres, pelas amizades, pelas inimizades, enfim, de uma forma ou de outra, por todos com quem mantêm contato ao longo da vida, nos graus mais variáveis, mesmo que apenas superficiais ou ocasionais. Os ambientes que freqüentam também influem na formação de sua personalidade, processo que não tem fim, enquanto se tiver um sopro de vida. O homem é influenciado, ainda, pelo que lê, vê ou ouve. Por isso, é tarefa, no meu entender impossível, a de determinar, com o máximo rigor e sem margem para equívocos, o que uma pessoa de fato “é” em sua essência. Nenhum de nós pode fazer isso. Por que? Porque... nos desconhecemos. Ademais, somos seres mutantes no que diz respeito às nossas convicções, opiniões e atitudes.

Determinadas influências, porém, são possíveis de serem detectadas em nossa conduta e em nossas obras. Há uma pergunta, nunca respondida com absoluta precisão e que, sempre que vem à baila, gera debates, controvérsias e muita polêmica. É a seguinte: “Existe alguma forma do indivíduo moldar sua personalidade ou esta é produto da educação e do meio em que ele vive e, portanto, mera fatalidade? As opiniões a respeito, reitero, divergem. Muitos educadores entendem que a moldagem é possível e a vontade tem papel determinante nessa tarefa. Outros, por sua vez, acham que não. O pensador catalão Jaime Luciano Antonio Balmes y Urpiá chegou a apresentar uma fórmula para essa construção de uma identidade positiva: "A verdadeira personalidade deve ter cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro". Ou seja, precisa contar com frieza ao raciocinar, paixão ao sentir e energia ao agir.

Este parece ser o perfil, pelo menos aproximado, do nosso personagem, o escritor japonês Yukio Mishima. Para mim, o que foi, o que fez, e, sobretudo, sua motivação são um tanto inexplicáveis, se não obscuras. Continuo considerando-o um “enigma ambulante”, ao cabo de cuidadoso estudo a seu respeito. Pudera, se nem seu melhor biógrafo e amigo, John Nathan, que teve estreito convívio com ele, conseguiu explicar, sobretudo, suas obsessões, quem sou eu, que o conheço somente de um ou outro dos seus livros, para fazê-lo? Todavia, posso especular (qualquer um pode) sobre o que o influenciou para ser o que foi e para fazer o que fez.

Creio que a influência mais profunda e duradoura que recebeu foi a da sua avó paterna, Natsu, descendente de uma linhagem de samurais, a cuja tutela foi entregue desde quando bebê até a idade de doze anos. Recebeu, dessa mulher severa e taciturna, de idéias conservadoras e tradicionalistas, educação rígida, espartana, dura, caracterizada por extrema disciplina, em que princípios e valores de um passado remoto lhe foram incutidos, a ferro e fogo, com destaque para a ética, a fidelidade, o estoicismo e a honra. Outra influência provável foi a de seus mestres. Destaque-se que o professor não educa somente uma, dez, cem, mil pessoas ou mais. E nem, apenas, uma geração: a sua. As sementes que planta sobrevivem ao tempo e produzem frutos muitos e muitos anos depois da sua morte. Na verdade, educa uma espécie. O norte-americano Henry Adams foi de extrema felicidade ao constatar: “Um professor sempre afeta a eternidade. Ele nunca saberá onde sua influência termina”.

Yukio Mishima estudou num colégio de elite em Tóquio, a Gakushuin, instituição educacional, estabelecida em 1877, durante o período Meiji. Era exclusiva da aristocracia japonesa. No caso, fazia todo o sentido. Afinal, o jovem promissor  provinha de família da elite. Para o leitor ter uma idéia do quanto essa escola era exclusiva, basta dizer que nela estudaram o imperador Hiroito, seu sucessor Akihito, além da princesa Aiko. Com o tempo, a Gakushuin passou a aceitar alunos que, mesmo não sendo da nobreza, provinham de famílias extremamente ricas. Uma das alunas que se enquadrava nesse caso, foi Yoko Ono, viúva do ex-Beatle John Lennon. Depois da Segunda Guerra Mundial, a instituição se tornou privada (até então, pertencia ao governo imperial) e abriu algumas filiais. Existe até hoje, embora não conserve a mesma rigidez do passado. Ainda assim, é exclusiva.

Não vejo, porém, muita influência em sua personalidade e obra do curso universitário no qual Mishima se diplomou. Em 1947, aos vinte e dois anos de idade, ele doutorou-se em Direito pela Universidade de Tóquio. Não consta que tenha advogado. Chegou a trabalhar, sim, por algum tempo (muito pouco), mas como funcionário burocrático do Ministério de Finanças. Não se deu bem com a rotina e logo abandonou o emprego, para dedicar-se, em tempo integral, à Literatura. Mas foi bastante influenciado por sua passagem pela Força de Defesa do país (o exército japonês), onde aprimorou a cultura física e tornou-se perito nas artes marciais.

Literariamente, a maior influência que Yukio Mishima sofreu, provavelmente, foi de Yasunari Kawabata, que o introduziu no mundo literário japonês. Contudo, indiretamente, foi, também, a causa (indireta) de sua maior decepção. Seu mentor conquistou o Prêmio Nobel de Literatura de 1968, quando ele esperava (tinha praticamente certeza) de que seria o ganhador, pois era a terceira vez que havia sido indicado. Claro que não manifestou esse sentimento ao seu mestre e protetor, ao qual, elegantemente, cumprimentou. Mas dos amigos mais íntimos (poucos) não escondeu a decepção que isso lhe causou. Nem poderia. Outras influências literárias podem ser detectadas (posto que sutilmente) na obra de Mishima. São os casos, por exemplo, do dramaturgo francês Jean Racine, do poeta alemão Johann Wolfgang Von Göethe e do poeta e revolucionário italiano Gabrielle D’Annunzio, cujas obras traduziu. Ou do inglês Oscar Wilde (condenado à prisão por prática de homossexualismo). Ou dos franceses Raymond Radiguet e Georges Bataille. Ou dos alemães Thomas Mann e Friedrich Nietszhe.

Reitero, todavia, que esse elenco (pequeno) de influências que citei (e poderia citar muitas mais) não passa de mera especulação, baseada em parcas informações colhidas a propósito em sua biografia e nos escassos textos de sua autoria que tive o privilégio de ler. Pode ser que todas elas, ou algumas delas, de fato ocorreram. É possível. Como pode ser, também, que nenhuma dessas circunstâncias e pessoas influenciou o que foi, pensou ou fez. A rigor, acredito que nem mesmo o próprio Mishima poderia garantir quem e o que foram determinantes em sua vida a ponto de poderem explicar suas atitudes, muitas das quais incompreensíveis e, notadamente, a forma dramática e teatral que escolheu para dar cabo da vida: mediante o “seppuku”, o suicídio ritual dos samurais.

Boa leitura.


O Editor

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