sábado, 9 de novembro de 2013

Língua eslava

* Por Milorad Pavic

(...)

Depois aconteceu o terceiro sítio da cidade da qual usava o nome. Em 860, enquanto os eslavos sitiavam Constantinopla, Constantino, no Olimpo da Ásia Menor, preparou-lhes uma armadilha. No silêncio de sua cela monacal, criou as primeiras letras do alfabeto deles. Inicialmente, inventou letras arredondadas, mas a língua eslava era tão selvagem que a tinta não a podia reter, e ele fez um outro alfabeto com letras gradeadas, prendendo como a um pássaro essa língua insubmissa. Só mais tarde, quando foi domesticada e iniciada no grego (pois as línguas aprendem outras línguas), a língua eslava pôde ser aprisionada nas primeiras letras glagolíticas, redondas.

Daubmannus relata a seguinte história sobre a criação do alfabeto eslavo.

A língua dos bárbaros não se deixava domesticar. Durante um breve outono de três semanas, os dois irmãos estavam sentados nas suas celas, tentando em vão traçar as letras que mais tarde serão chamadas de cirílicas. O trabalho anunciava-se difícil. De sua cela, podia-se ver claramente os meados de outubro, e o silêncio tinha uma hora de caminhada de comprimento e duas horas de caminhada de largura. Então Metódio chamou a atenção do irmão para os quatro cântaros que se encontravam no parapeito da janela, do lado de fora, do outro lado das barras.
- Se tua porta estiver fechada à chave, como farás para pegar um desses cântaros? - perguntou.

Constantino quebrou um deles, depois fez passar cada pedaço através da grade e colou os pedaços com uma mistura de saliva e da terra argilosa sob seus pés.

Foi assim que fizeram com a língua eslava: quebraram-na em pedaços, fizeram-na entrar em suas bocas através das barras das letras cirílicas e recolaram os fragmentos com sua saliva e a terra grega sob a sola de seus pés...

(Trecho do livro “Dicionário Kazar”).


* Escritor sérvio

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