Vó Mariinha
* Por José Ribamar Bessa Freire
Maria Cândido Barbosa (1918-2013), a vó Mariinha, líder religiosa - uma
das mais antigas do Rio de Janeiro - disse adeus e partiu na sexta feira
passada. Tinha 95 anos. Na sua juventude, como católica fervorosa, fez parte da
Pia União das Filhas de Maria. Mas na década de 50, trocou a fita azul e o uniforme
da Congregação por outra bandeira e ingressou na Umbanda, religião a qual
dedicou sua vida.
Filha de santo de Carlito Edileus Vieira, conhecido Babalorixá, ela logo
se formou Ialorixá, tornando-se uma respeitada Mãe de Santo. Fundou a
Associação Espírita Afro-Brasileira Taba de Pindaré e exercitou sua
religiosidade, especialmente no Terreiro de Sobe Serra, situado num lugar
privilegiado da mata atlântica, em Angra dos Reis (RJ). Deixou mais de 500
filhos de santo.
Filha de uma descendente de índios com um português, Mariinha nasceu lá,
no Sertão do Carijó, no Bracuí, em Angra, no dia 30 de janeiro de 1918. Ainda
criança mudou-se para a sede do município, onde trabalhou duro para conseguir
seu sustento e de sua família. Muito antes da abertura da rodovia Rio-Santos,
quando Angra dos Reis era o maior produtor de sardinhas do Brasil, ela foi
contratada como operária por uma fábrica de enlatados. Com o declínio da
atividade pesqueira e o fechamento de mais de duas dezenas de fábricas, passou
a dedicar-se exclusivamente às atividades religiosas.
Vó Mariinha conheceu seu companheiro de 50 anos de vida, com quem teve 8
filhos sanguíneos (7 filhas e um filho) e 3 adotivos, que lhe deram 18 netos e
13 bisnetos. Sem contar as diversas crianças que amamentou ao longo da
existência. Um dos filhos adotivos da vó, o Nel, era jornalista, comunista
convicto, que declinou de um convite para trabalhar em Cuba, preferindo ficar
com a sua família no Brasil. Todos eles foram educados dentro da religião,
aprendendo com a mãe a respeitar os outros na diversidade.
Rui, o único filho de sangue, é ogã, toca atabaque e conhece os pontos
de cada orixá e guia, cantados nas sessões. Ele testemunhou a entrega da Vó
Marinha às causas sociais. Nos anos 60, quando sequer existia escola na região,
movida pelo amor às crianças e pela solidariedade, Vó Mariinha montou uma
escola primária, com recursos próprios, gratuita, no Encruzo da Enseada - na
Japuíba. Suas próprias filhas é que davam aulas às crianças.
Seu ingresso na Umbanda - grande norte de sua vida - se deu quando tinha
30 anos, encaminhada pelo seu irmão Antônio Cândido de Almeida. A Associação
Espírita Afro-Brasileira Taba de Pindaré, que ela fundou, teve sempre como
bandeira a caridade e o amor entre os seus pares. O Centro da vó está cercado
por uma mata exuberante e importante mina d'água, a mina da Oxum, fato que o
torna singular em toda Angra dos Reis. Esse foi o lugar escolhido pelo Caboclo
Sobe Serra para ser a sede do terreiro, há mais de 60 anos.
A vó Mariinha se tornou um ícone e um exemplo para a Umbanda em todas as
suas vertentes. Ensinou seus filhos de santo, que aprenderam a amar e a
caminhar a partir dos ensinamentos do Caboclo Sobe Serra - seu mentor, e da
sabedoria da vovó Catarina - uma preta velha muito esclarecida que a acompanhou
desde sua infância, bem como do seu Rei Congo, entre outros guias de luz.
Em toda a sua vida, a vó Mariinha não mediu esforços para cumprir os
seus deveres de Mãe de Santo e exercer a sua "regilião", como falava
ao se referir à Umbanda. Por diversas vezes, saiu de sua casa, no centro de
Angra, até a Japuíba, ficando horas com a vó Catarina, seu Rei Congo, seu Sobe
Serra na terra. Ali acolhia a todos, ajudando enfermos e desesperados.
Antes de morrer, doou parte de seu patrimônio, especialmente um terreno,
para a construção de uma escola (o Colégio Municipal Teresa Pinheiro de
Almeida, homenagem a mãe da vó Mariinha, que é muito querida no bairro), para a
construção da igreja Santa Teresinha, ambas localizadas na Japuíba. O mesmo fez
a dezenas de filhos de santo, que hoje possuem um lar graças à vó Mariinha.
Desde criança - ainda no Bracuí - a vó aprendeu a cantar jongo e folia
de reis. Chegou a fazer parte do grupo de folia dos reis de Carmo Moraes,
ex-combatente da Segunda Guerra e filho de santo da vó, que morava no Morro do
Carmo. Aos 95 anos a vó lembrava ainda de algumas dessas músicas e em diversos
momentos, ela cantava em seu terreiro, em sua casa, os pontos, alguns em língua
yorubá, com contribuição de línguas indígenas. Cantava, dançava, ensinava e
repartia amor. O terreiro era o lugar da pedagogia da oralidade, do ver e
ouvir, do aconselhar e acalmar.
Vó Mariinha gostava de contar histórias, lembrando momentos de sua vida.
Uma dela ocorreu quando era muito criança e caiu numa fogueira - nessa época
era comum as pessoas fazerem fogueiras dentro de casa. Todos ficaram
impressionados, porque ela levantou-se sozinha da fogueira. Anos depois, quando
começou a trabalhar com a vó Catarina, a preta-velha, disse que foi ela quem a
tirou do fogo. Para não esquecer o acontecido, carregou, em uma das mãos
durante toda sua vida, a marca da queimadura.
No último ano de sua vida, Vó Mariinha diminuiu o ritmo, mas não deixou
de ir ao menos um dia na Japuíba, para encontrar seus santos e Neusa - filha de
coração e seu braço direito. Com ela, estabeleceu uma relação de amizade, de
carinho que atravessou longos anos. As duas estavam unidas pela Umbanda. Nas
palavras de um dos netos, Alexandre Klippel: "Uma palavra que define a
minha vó é fé. A minha vó tem uma fé, que é inabalável".
Daqui do Diário do Amazonas, em Manaus, saudações a Vó Mariinha: que seu
sono seja calmo, nesta longa noite que se finda.
*
Jornalista e historiador
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