sexta-feira, 5 de março de 2010




A fábula da Arca de Noé

* Por Rodrigo Ramazzini

Esse fato atravessou os anos e os mares. Não fosse um papagaio de “língua solta” relatar-me, nunca essa narrativa, que é contada de geração em geração entre os animais, viria à tona. A história da Arca de Noé é bem conhecida, não precisamos aqui detalhar, mas um fato que ocorreu no interior da arca, só os animais sabiam. Mais precisamente: uma partida de futebol!

Era um dia de navegação tranqüila, depois do dilúvio. Os animais já estavam entediados do balanço do mar. Foi quando o macaco teve uma idéia: jogarem uma partida de futebol. Todos foram favoráveis, exceto o Noé, que acordara ranzinza naquele dia, proferindo:
- Nada de futebol no barco. Vai estragar a pintura!

Apesar da negativa do “chefe”, os animais não desistiram da idéia. Para solucionar o problema partiram para o mundo do crime: “seqüestraram” o Noé. O urso agarrou-o e os pingüins amarraram-no no convés da arca. Pronto! Problema resolvido. Porém, outro surgiu: como fariam as goleiras? Logo, os elefantes ofereceram-se e com as patas frontais e traseiras alinhadas, formavam um belo gol embaixo das suas barrigas. Perfeito! O canguru fora designado o árbitro por saber assoviar. Convidou o camaleão para representar os cartões, que sem pestanejar saltou para dentro da sua “bolsa”.

A bola: testaram o ouriço, espinhava muito. A tartaruga, pesada demais. Então, pegaram uma meia do Noé, e, em meio a uma gritaria, depenaram o peru. Pronto. Mesmo não ficando muito redonda, a bola estava confeccionada. Era o que dava para fazer se queriam jogar futebol.

No time do leão ficaram onze animais claros, e, no do macaco, logicamente, onze escuros. Os pássaros juntaram-se na torcida. Cantavam uma bela melodia de incentivo. Tudo pronto! Então o papagaio, que seria o narrador da partida, acompanhado do comentarista tucano, sugeriu que cada animal deveria escolher um número e pintá-lo nas costas, para enobrecer a sua narração.
- O que acham? – indagou.
- Boa idéia! – exclamou o tamanduá. E foi aquela gritaria:
- Dois! Dez! Nove, time claro! Um, escuro! – E assim, todos os números foram sendo preenchidos

Tudo pronto. Bola no centro. O canguru iria iniciar a partida, quando o hipopótamo, atrasado e esbaforido, chega e fanhosamente, questiona:
- E eu?
- Tu o que, gordo? – replica o centroavante girafa.
- Jogo em que time? Qual o meu número?

Silêncio. Ninguém responde. O hipopótamo segue fazendo uma espécie de aquecimento, dando uns pulinhos, porém, estranhamente, mantém as mãos para trás.
- E aí, para que lado eu entro, gente? – repetiu faceiramente a indagação.

Então, o urso toma coragem e responde:
- Não tem lugar para ti neste jogo... Aliás, por que queres jogar? Tu és muito ruim de bola!

A resposta alvoroçou a bicharada. Gritos de apoio ecoaram: – É isso aí! – Saí daqui perna-de-pau! – Fora! – Não atrapalha, gordo!

Estático ao lado do campo, depois da gritaria, o cabisbaixo hipopótamo virou-se para se retirar do recinto, porém, antes de sair, tirando as mãos das costas, sentenciou:
- Tudo bem, eu não jogo! Mas também não empresto a bola que encontrei no convés...
Falou erguendo a redonda, que era novíssima, em uma das mãos. O espanto e o silêncio tomam a arca. A ansiedade e a precipitação tinham estragado a oportunidade de melhorar o espetáculo. Todos se olhavam como se perguntassem – E agora? O desiludido hipopótamo, depois de mostrar a bola e colocá-la embaixo do braço, começa a sair. Foi quando apareceu o Senhor Coruja, ordenando:
- Chega pessoal! Vou contar a surpresa agora...

E dirigindo a palavra ao hipopótamo, pediu:
- Espere, rapaz! Temos uma surpresa pra ti...

Clima de tensão e curiosidade no ar. - Que surpresa seria? Cada um se questionava. O Senhor Coruja, no auge da sua rapidez de raciocínio e sabedoria, havia de ter a solução para resolver aquele impasse. O hipopótamo parou de caminhar com o pedido da velha ave, e, curioso, questionou:
- Surpresa pra mim?

Compreendendo que já havia dominado a situação, o Senhor Coruja voa e senta-se no ombro do hipopótamo, e, começa a explicar a situação:
- Sim! Uma surpresa para ti, meu rapaz! Isso que aconteceu agora, não passou de uma encenação da bicharada da arca. Estava tudo combinado...
- Sério? Por que isso, então? – interrompeu desconfiado, o hipopótamo.
- Tudo não passou de uma brincadeira! Encenação dos meninos para sacaneá-lo. A verdade é que queremos mesmo é homenageá-lo... Como tu és um grande amigo de todos, nós nos sentimos na obrigação de retribuir essa amizade. Não é verdade, pessoal? – indagou o Senhor Coruja à bicharada:
-Ééééééééééééééééééééééééééééééééé´! – ecoou como resposta sonoramente. Então, prosseguiu:
- Portanto, essa partida de futebol seria em sua homenagem. Criamos até um nome para taça que o vencedor do jogo ganhará no final: Taça Hipopótamo dos mares! O que achas?

Ainda, desconfiado, o hipopótamo pede confirmação:
- Sério?
- Claro, meu rapaz! – ratificou o Senhor Coruja. Ainda, ordenou para os esquilos:
- Tragam a cadeira do homenageado!

E tomado pela vaidade, o hipopótamo refletiu um pouco, jogou a bola para cima, e gritou:
- Que vença o melhor!

* Jornalista

3 comentários:

  1. Boa!!!!
    Coitadinho do hipopótamo...ingênuo.
    Emprestar sentimentos e vaidades
    humanas aos animais...somos assim
    mesmo.
    Parabéns Rodrigo.
    beijos

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  2. Obrigado pela leitura, Núbia!

    Tenha um ótimo final de semana!

    Aquele abraço!

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  3. O mau-de-bola precisa de um passe para entrar no jogo: ser dono da bola. Senão, nada feito. O fingimento interessado não é defeito apenas humano, e também entre os animais é comum a vaidade. "Vai que é sua Hipopótamo"!

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