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A mão que balança a navalha
* Por Fernando Yanmar Narciso
Tem coisas que fazemos por impulso ou por loucura. Semana passada, optei pela alternativa B. Passei a quinta-feira toda enrolando para ir podar a cabeleira. Estava de saída para BH – meu lugar favorito depois de minha casa – no dia seguinte.
Fazer barba e cabelo às 6 da tarde, no fim do expediente, é uma tarefa árdua, concordam? Tem uma fila enorme de mulheres, e nenhum cabeleireiro livre, mas naquele dia encontrei Gilson desocupado. Ele é o profissional que corta meu cabelo desde quando eu me “sentava” na cadeirinha de Pato Donald.
Toda vez que ele exerce sua função, recusa-se a fazer a minha barba. Nunca entendi o motivo. Ele sempre diz que não sabe fazer essa parte do serviço, o que não faz sentido nenhum, afinal ele não vê problema em brandir uma navalha pra fazer o “pezinho” do cabelo. Os outros colegas dele, que eu apelidei carinhosamente de Seu Madruga e Nhonho, me fazem a barba de graça, mas os dois já haviam saído.
Voltar pra casa com a barba sem fazer não constava no meu cardápio, então resolvi tomar uma atitude de homem – que talvez devesse ter tomado há mais tempo: fui à barbearia pé-sujo que fica duas ruas acima, afinal de contas, macho que é macho vai em barbeiro e ,quando não o encontra, faz a barba com martelo e talhadeira. Saca, aquelas barbearias “podronas”, que a gilete-navalha parece de chocolate de tão enferrujada? Antes essa fosse uma delas...
Quando cheguei lá, o dono já fechava a porta. Quase implorei pra ele fazer o serviço, no que ele acabou topando, não sem antes fazer cara de Neandertal quando a carne acaba. O sujeito era baixinho, afogado no próprio suor, com cara de quem comeu e não gostou, e pra coroar, o cabelo dele lembrava vagamente o do barbeiro canibal Sweeney Todd. Passei 20 minutos de olhos esbugalhados, acompanhando cada deslizamento da navalha e o humor do barbeiro em tensão máxima, quase rangendo os dentes de apreensão. Eu cheguei a ouvir a musiquinha de suspense na minha mente. Uma hora ele não agüentou e perguntou o que eu tanto olhava.
- Nada, é que você não sabe o pavor que eu tenho de navalha! – tentei disfarçar.
Quando passou a peça pela última vez, e eu já me preparava pra saltar fora da cadeira, mas ele me disse: Peraí, falta a segunda demão! Como eu não estava na condição emocional de retrucar – ou seja, desarmado –, não tive outra escolha a não ser voltar à posição anterior. Finda a função, larguei dois reais na bancada e saí correndo com a cara ainda com espuma. Antes de voltar lá, preciso passar por pelo menos dez lições de virilidade, ou então voltar ao Prestobarba.
* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com
* Por Fernando Yanmar Narciso
Tem coisas que fazemos por impulso ou por loucura. Semana passada, optei pela alternativa B. Passei a quinta-feira toda enrolando para ir podar a cabeleira. Estava de saída para BH – meu lugar favorito depois de minha casa – no dia seguinte.
Fazer barba e cabelo às 6 da tarde, no fim do expediente, é uma tarefa árdua, concordam? Tem uma fila enorme de mulheres, e nenhum cabeleireiro livre, mas naquele dia encontrei Gilson desocupado. Ele é o profissional que corta meu cabelo desde quando eu me “sentava” na cadeirinha de Pato Donald.
Toda vez que ele exerce sua função, recusa-se a fazer a minha barba. Nunca entendi o motivo. Ele sempre diz que não sabe fazer essa parte do serviço, o que não faz sentido nenhum, afinal ele não vê problema em brandir uma navalha pra fazer o “pezinho” do cabelo. Os outros colegas dele, que eu apelidei carinhosamente de Seu Madruga e Nhonho, me fazem a barba de graça, mas os dois já haviam saído.
Voltar pra casa com a barba sem fazer não constava no meu cardápio, então resolvi tomar uma atitude de homem – que talvez devesse ter tomado há mais tempo: fui à barbearia pé-sujo que fica duas ruas acima, afinal de contas, macho que é macho vai em barbeiro e ,quando não o encontra, faz a barba com martelo e talhadeira. Saca, aquelas barbearias “podronas”, que a gilete-navalha parece de chocolate de tão enferrujada? Antes essa fosse uma delas...
Quando cheguei lá, o dono já fechava a porta. Quase implorei pra ele fazer o serviço, no que ele acabou topando, não sem antes fazer cara de Neandertal quando a carne acaba. O sujeito era baixinho, afogado no próprio suor, com cara de quem comeu e não gostou, e pra coroar, o cabelo dele lembrava vagamente o do barbeiro canibal Sweeney Todd. Passei 20 minutos de olhos esbugalhados, acompanhando cada deslizamento da navalha e o humor do barbeiro em tensão máxima, quase rangendo os dentes de apreensão. Eu cheguei a ouvir a musiquinha de suspense na minha mente. Uma hora ele não agüentou e perguntou o que eu tanto olhava.
- Nada, é que você não sabe o pavor que eu tenho de navalha! – tentei disfarçar.
Quando passou a peça pela última vez, e eu já me preparava pra saltar fora da cadeira, mas ele me disse: Peraí, falta a segunda demão! Como eu não estava na condição emocional de retrucar – ou seja, desarmado –, não tive outra escolha a não ser voltar à posição anterior. Finda a função, larguei dois reais na bancada e saí correndo com a cara ainda com espuma. Antes de voltar lá, preciso passar por pelo menos dez lições de virilidade, ou então voltar ao Prestobarba.
* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com
Cabra macho!!!!
ResponderExcluirEu chamo isso de coragem e ainda te digo mais
deu muita sorte. Eu já não tive a mesma sorte
que você, cortei meu cabelo com um açougueiro
afetado que me deixou "suruca" e ainda picotou minha orelha...mas são águas passadas o cara ficou louco e já foi para a terra dos pés juntos.
Adorei Yanmar.
Parabéns!!!
Beijos
Não sei de onde vêm essas graças todas que você escreve. Sempre sorrio, desde aqueles sorrisos meio amarelos, até os abertos e barulhentos.
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