terça-feira, 7 de março de 2017

Sem exagerar nas ilusões

* Por Paulo Moreira Leite

Num país indignado diante da deposição de Dilma, num processo vergonhoso que a maioria dos brasileiros imaginava pertencer aos arquivos de uma história tumultuada e lamentável, convém não cultivar ilusões exageradas a respeito do caráter benigno do golpe de 31 de agosto de 2016. Os antecedentes ajudam a entender o que quero dizer.

A reação padrão ao golpe de 1964 foi do próprio João Goulart, o presidente deposto. Convencido de que seria uma iniciativa passageira, Jango  deixou o país certo de que logo estaria de volta. Só pode retornar num caixão, em 1976. O regime militar durou 21 anos, se você considerar que a posse do civil José Sarney, escolhido por regras criadas pela ditadura, marcou o início da democracia. Ou 25, se você definir a eleição direta para a escolha de presidente da Republica, realizada em 1989, como o marco divisório.

Não se trata de uma peculiaridade brasileira. Em 1922, a posse de um ditador como Benito Mussolini, líder de hordas fascistas que abriram o caminho até Roma com ataques a sindicatos, pancadaria e assassinatos de lideres socialistas, foi acompanhada de um ambiente de otimismo e boa vontade. Como a média de idade dos novos governantes era baixa, o tom geral era celebrar o espírito renovador da juventude. Como o Rei Vitório Emanoel nomeou Mussolini dentro do ritual de uma monarquia parlamentar, não havia do que reclamar. Quando os jornais tentaram publicar as primeiras queixas, era tarde. Se algumas penas estavam paralisadas pela censura, outras perderam a tinta pela covardia.

O futuro da democracia brasileira depois de segunda-feira não permite otimismos. Como era previsível, e já apontei aqui neste espaço, a fragilidade do golpismo de ocasião que sustenta Michel Temer apenas começou a exibir contradições e surpresas que devem ampliar-se ao longo do tempo, já que carregam um defeito de fábrica -- a falta de compromisso com o voto popular e as necessidades de uma população que será a grande prejudicada pelo pacote de medidas regressivas do ponto de vista econômico, político e, acima de tudo, histórico.

Temer é um chefe de governo com prazo de validade, condição que estimulará atos de infidelidade e chantagens infinitas em seu próprio bloco de sustentação. Como se sabe, será protegido de todas as formas até 31 de dezembro, pois até lá sua saída irá abrir uma vaga que a Constituição determina que seja preenchida por eleições diretas, justamente o que se quer evitar. Mas, depois de 1 de janeiro, um eventual substituto de Temer será escolhido pelo Congresso, num pleito indireto. Não é difícil imaginar qual a opção dos arquitetos de um golpe promovido após quatro derrotas consecutivas nas urnas. A consolidação da ditadura de 64 não seria possível sem a institucionalização de eleições indiretas não só para presidente, mas governadores de Estado e prefeitos de capital.

Para Dilma Rousseff, o golpe representa uma catástrofe, ainda que tenha sido amenizado pela votação que protegeu -- pelo menos! -- seus direitos políticos. A medida permite imaginar que se tentou colocar um freio a possíveis medidas arbitrárias que o novo governo pode executar. Também permite até que se alimente hipótese de uma retomada na vida política, em 2018, quem sabe. Muito bem. O país só terá a ganhar com sua voz e sua crítica, em qualquer caso. Sua experiência tem um valor único.

Cabe uma ressalva, porém. Ao deixar a presidência, Dilma perdeu a prerrogativa de foro. Isso quer dizer que, daqui para a frente, terá uma imensa dificuldade para escapar das medidas de exceção da Operação Lava Jato. Em breve, corre o risco de enfrentar uma caçada semelhante à que é enfrentada por Lula. Não faltarão delações premiadas nem prisões preventivas. Alguém duvida?

Esta é a questão.

Num país onde os adversários de Lula-Dilma nunca foram capazes de uma vitória pelas urnas desde 2002, o golpe de Estado de 2016 teve causas econômicas e sociais. Mas será de grande utilidade para ajudar Sérgio Moro a terminar o serviço.

* Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".



Nenhum comentário:

Postar um comentário