quarta-feira, 1 de março de 2017

Questão de nome


O nome de uma pessoa – embora sua escolha não dependa dela e seja imposto pelos pais no momento do registro em cartório, logo depois do nascimento – é importante fator de identificação, embora nem sempre seja original. Há milhões de casos de homonímia, que causam enorme confusão e muitas vezes dão dores de cabeça muito grandes ao cidadão. Por exemplo, quem conseguiria catalogar todos os que se chamam José da Silva no País? E nem é preciso abrangência tão ampla. Quantos, em Campinas, são chamados dessa maneira? Tentem contar em uma lista telefônica!

No mesmo caso estão os John Smith, nos Estados Unidos. Ou os Ivans, na Rússia. Ou outros tantos nomes que são mais do que comuns em várias partes do mundo. Mas as obras de um indivíduo – única coisa que lhe sobrevive caso tenha de fato alguma que seja consistente e que mereça ser lembrada – se associam ao nome e nunca à imagem. Muitos não gostam do seu e, na idade adulta, o trocam no cartório. Alguns adotam pseudônimos, com os quais passam para a posteridade.

Estão, neste caso, artistas, esportistas e políticos famosos. Quem conhece, por exemplo, Allen Stewart Konigsberg? Pouquíssima gente sabe de quem se trata. Talvez essa pessoa seja conhecida dessa maneira só pelos parentes mais chegados e amigos mais íntimos, quando muito. Agora se dissermos que se trata do ator e diretor de cinema Woody Allen, a coisa muda de figura. Quase ninguém irá alegar desconhecimento, a menos que se trate de um sujeito extremamente mal informado.

O mesmo ocorre com Frederic Austerlitz (Fred Astaire), Dóris Kapelhoff (Dóris Day), Lucy Johnson (Ava Gardner), Marion Morrison (John Wayne) ou Joseph Levitch (Jerry Lewis), entre outros. Como se vê, o nome fica imediatamente associado àquilo que o seu detentor faz, de bom ou de mau, e é o primeiro referencial para a sua identificação, quer na vida social no dia a dia, quer para a posteridade, dos que conseguem vencer a "segunda morte": a da memória. Quanto mais original for, portanto, mais chances terá de ser lembrado dentro de vinte, trinta, cinqüenta, cem, quinhentos ou mil anos.

Um casal sueco, no entanto, exagerou na dose de originalidade. Registrou o filho, nascido na cidade de Gotemburgo, da seguinte forma: "Brfxxccxxmnpcccclllmnprxvclmnckssqlbb11116". Não pense o leitor que houve falha de impressão e que as letras ficaram todas embaralhadas. Foi exatamente dessa forma que o garoto foi chamado e registrado. Claro que o caso despertou repercussão na imprensa, não apenas da Suécia, mas do mundo todo. A princípio, pensou-se que algum funcionário do cartório tivesse empastelado a certidão de nascimento. Por isso, os pais foram convocados para esclarecer tudo. Perante o tabelião, confirmaram que era exatamente dessa forma que queriam chamar o menino.

Logo o caso caiu no esquecimento. Cinco anos depois, o garoto continuava sem nome. Afinal, essa sucessão de 43 caracteres é ilegível e impronunciável. O casal foi intimado para proceder a mudança e denominar o filho de forma digna e civilizada. Por manter-se irredutível, porém, acabou multado em 5 mil coroas suecas (o equivalente a US$ 735). Quando parecia que os pais do jovem sem nome iriam parar de brincadeira e alterar o registro, os dois resolveram recorrer da multa em um tribunal de recurso fiscal da cidade.

Seus advogados argumentaram que o casal tem crenças esotéricas e que a sucessão de letras e números, na verdade, tem um significado lógico: "Albino". O juiz indagou: "Por que, então, vocês não registraram o filho dessa maneira?". "Porque ele teria azar na vida", responderam. "A formulação é mágica", acrescentaram. Sem comentários... Claro que o tribunal não levou a sério esta e outras argumentações. Entendeu – se com razão ou não nunca se vai saber – que o nome não passava de brincadeira de mau gosto, de uma enorme "sacanagem" com a criança.

Por isso, confirmou a multa e mandou o cartório fazer um novo registro do menino. O nome que passou a constar na certidão é Albino. Uma das argumentações do casal, quando da apresentação do recurso, retirada do processo (ao qual a imprensa teve acesso) é esta "pérola" de ambigüidade: "Os caracteres utilizados são de uma formação pletórica de sentido e tipograficamente expressionista, que nos parece uma nova criação artística". Pobre garoto! Se em uma coisa tão simples, quanto a escolha do nome, houve tanta confusão, o que não deve ocorrer na sua convivência com esses pais? De fato, a ficção jamais conseguirá superar a realidade em termos de coisas insólitas...Ou malucas...

Boa leitura!

O Editor.

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