quarta-feira, 8 de março de 2017

Lugar incomum mais que comum


* Por Mara Narciso


Não significa nada dizer sua coisa tem cada tempo e sim falar cada coisa tem o seu tempo. Tempo de escolher se recolher. Ou não. Cada um fora do redondo, enquanto todos os macacos descem do mesmo galho. É que “eu vim para confundir, não para explicar.” (Chacrinha).

É obrigatório ter opinião e externá-la. Tantas são as provocações que muitos não resistem a uma má briga. Porque não existe uma boa batalha. Mesmo quando inicialmente há uma mesma ideia, é proibido o consenso. Alguns geniosos, mas não geniais, deixam um ambiente de guerra ou até de terra arrasada nas redes sociais. O ridículo pode surgir em cada página. Fala-se de amor e a resposta é de ódio, porque é preciso odiar as pessoas hoje e odiá-las ainda mais amanhã.

Sigo em frente é o oposto de volto para trás, o que também é reles redundância. Podem-se ganhar espaços impensados e argumentos irrespondíveis no mundo virtual. Diz-se e desdiz-se, aprofundando-se o não dito para polemizar. O importante é a não frutificação da discussão. Os conselhos virtuais fazem rir. Algumas convicções são piadas, e custa-se a acreditar que alguém possa crer naquilo.

O sapo grila, o grilo coacha, porém tudo parece normal, porque ninguém vê de onde vem o som da noite. O apagão é um conselheiro ainda melhor do que o black-out, porque fala Português e desliga o computador e a TV. Rimando e ensinando, a escuridão é a cara da solidão, cuja companheira é a introspecção. Mas poucos se atrevem a pensar. Alguém disse que pensar não dói. Melhor não arriscar. Analgésico anda caro.

O tempo adoece, dilui, traz esquecimento. “Quem parte leva saudades de alguém que fica chorando de dor” (cancioneiro popular). Quem não tem memória não chora de saudades, então, que morra a memória! A contraposição mistura tudo, pode causar uma luta inútil ou um novo caminho. Ando depressa porque andava devagar, e na mansidão a comida está cozida. Não fazer sentido faz sentido, porque vazia é a existência.

Para que voltar, se é preciso ir? Tomar banho hoje quando já tomei banho ontem, ou precisar comer de novo, quando comi há poucas horas. Então surgem poemas originais, alguns miraculosos, que emocionam, e outros que não têm significado, nem mesmo para quem os criou. Possuem apenas palavras (e o que mais poderiam ter?), soltas, agrupadas, bonitas, feias, ritmadas, rimadas ou cada uma por si sem nada dizer uma para a outra.

“Na televisão nada se cria, tudo se copia” (Chacrinha) e ninguém liga se a cópia foi mal feita. Mas deveria. Os dizeres vazios não perderam o sentimento, apenas o sentido. Morreu alguém amado? O tempo cura todas as feridas. Seu amor te abandonou? Ele não sabe o que perdeu. A falta de dinheiro é um problema? Deus proverá. Está doente? Logo estará bem. Faz anos? Feliz aniversário! Quem se atreveria a dizer outra coisa?

Quanta inutilidade! Melhor amarrar o cadarço e partir. Assim não caminha a humanidade. E não diga que não foi avisado. Amém!


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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