sexta-feira, 4 de março de 2016

Devaneios de uma roqueira 18


* Por Fernando Yanmar Narciso

CAPÍTULO 8(2/3)


Eram pouco mais de vinte pra meio-dia e já ‘tava’ de canelas bambas de tanto beber... E chorar. Cabeça a minha, virar quatro dozes de uísque numa sentada de barriga vazia foi quase suicídio. Devia ter escutado a Lex... Mas precisava muito de criar alguma coragem, mandar a autoestima praquele lugar antes de ir me humilhar diante de minha mãe.

‘Nóis’ podia ter chegado mais cedo se aquele sujeito na porta do bar ‘num’ tivesse insistido tanto em pedir uma ‘rapidinha’ com Lex atrás do balcão.

Marmanjos, tomem muito cuidado com o que ‘ocêis’ desejam! A sanha por sexo de Alexia é quase mitológica entre os machos da cidade. Ela já teve um orgasmo tão selvagem que o outro precisou de fisioterapia pra endireitar os dois pescoços, se é que ‘ocêis’ me entendem... Esse último só ficou com o queixo meio deslocado, mas quem avisa amigo é!

Quatro quarteirões abaixo da obra da prefeitura, do lado direito da pista, construído entre uma pastelaria e uma boca de fumo, nosso lar, doce lar... Edifício Otto Rotscheider. Já existia antes de eu nascer, e em todos os anos que morei aqui acho que nunca vi a fachada ser reformada. Quando pequenas, eu e Lex costumávamos ficar deitadas no passeio e contar quantas rachaduras novas tinham aparecido. Pobre se diverte como pode, né? (Risos)

Enquanto me preparava psicologicamente pra enfiar a cabeça na boca do leão, Lex se fazia de avoada, ouvindo daqueles rocks ‘indies’ dela no celular, zoando o falsete do vocalista. What could I do? What could I do? Prima morre de gastura dos fones de enfiar no ouvido e escuta música com o autofalante do celular encostado na cabeça.
-Weird...- Lex puxou conversa do seu jeitinho patenteado- É só impressão minha ou tudo que é carro de repente sumiu da rua?
- Cadê o apoio, Lex? Veio aqui me ajudar ou vai ficar só posando na calçada?
- Oh, so sorry, Majestade Barbie! ‘Ocê’ tá há quase quinze minutos alisando esse interfone e nada de apertar o botão!
- Sabe que ‘num’ é fácil, prima! Falar com mãe é garantia de raiva e confusão!
- E por culpa de quem, né? Até aqui, toda vez que eu vi a casa cair foi ‘ocê’ que partiu pra cima, cumádi!
- ‘Num’ tá me ajudando...
- Kurt Cobain! Toca logo esse interfone e ‘quéta’ com o suspense! O ‘não’ a gente já tem garantido mesmo!
- Merda... Lá vai!

Pronto, apertei. Achei que ia vomitar de tão nervosa...
- Quem é?- Dona Florisbela atendeu.
- Mãe?
- Ah, ‘num’ acredito! Bárbara? ‘Ocê’ mesmo, filha? Sobe aí!

O portão eletrônico se abriu, e como a tradição manda, Sabata, nosso cão-lingüiça, desceu correndo os três andares do prédio e voou feito um míssil pra cima da gente lá na rua. Nós duas salvamos ele de ser sacrificado no canil quando Lex veio morar aqui e desde então esse cachorro tem sido a única razão de eu ainda gostar daqui de casa.
- Sabata! E aí, cachorrinho lindo da mamãe? Beijinho, beijinho! Puxa, andou engordando, hem?
- Ah Barbie, e pensar que ‘ocê’ tava quase matando um na rua a um segundo...
- Sabatinha da mamãe aqui faz milagre, prima. Anda, ‘vamo’ subir!

Respirei fundo diante da porta do apartamento e apaguei o cigarro debaixo do tapetinho, enquanto prima tentava abanar o cabelo cortado da roupa e ajeitar o batom.
- Tá na cozinha, mãe?
- Tô sim, filha. O almoço tá saindo do forno!

Essa Florisbela... Agora ela mandou pôr um vidro rosa e um spot de LED na estante de troféus (pausa pro recalque...) da ‘adotada’, bem no meio da sala, que parece que aumentou ainda mais a quantidade de troféus desde janeiro. Clarissa, minha irmã adotiva, ‘a Bárbara que deu certo’... Ai, que ódio da moleca!

Uma piada entre amigos da família diz que tanto faz olhar pra mãe como pra mim. Nasci um clone perfeito dela. Mesmo quando era menina no berço nosso ‘parecimento’ assustava todo mundo. Como uma barata eu ‘num’ evoluí, só continuei crescendo. (Risos) Pra uma índia ela bem que envelheceu pouco nos últimos trinta anos, então continuamos quase gêmeas. E aí veio ela abraçar a gente... Parece que emagreceu uns cinco quilos desde a última vez, mas nada que se compare com essa vara de espetar balão que sou eu.
- Que surpresa, meninas! Jesus! O que aconteceu, minha filha? Parece que um trator te atropelou! Êpa, que cheiro é esse? É uísque? Há essa hora?
- Hã... Não, acho que não... Deve ser o fumacê do incenso de Vó Ganesha, tinha queimado uns lá no posto e...
- Oi, tia Flor!
- Alexia, paixão! Dá um abraço na tia! Finalmente resolveu cortar o cabelo, né? Fazia quanto...
- Um ano quase todo.
-Amei o corte! Nem lembrava mais que ‘ocê’ tinha orelha! Mas ainda tá usando esse trapo ‘véio’ amarrado na testa, menina?

O cabelo de prima deu uma escorregada pro lado esquerdo e deixou metade daquela tattoo horrorosa nas costas dela à mostra. Achei que mãe ia desmaiar, ‘inté’ pôs a mão no peito...
- ... Sem falar em ‘outros’ vícios... Que foi que ‘ocê’ andou aprontando, Alexia?
- Nem queira saber...
- Tão raquíticas, as duas! Anda, vão pegar almoço procêis! Tem arroz, angu e pudim de carne no forno.
- Brigada, tia.

Pra variar, Lex sempre bancando a diplomata entre mim e mamãe... ‘Mió’ assim. Quanto mais elam conversam, menos eu preciso catar as palavras certas pra ‘num’ começar um incêndio ou uma guerra.

CONTINUA...

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
cyberyanmar@gmail.com

Conheçam meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer

Um comentário:

  1. Bárbara invade o espaço de Aléxia mais uma vez, e conta suas dificuldades familiares de um jeito inesperado.

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