Devaneios de uma roqueira 18
* Por
Fernando Yanmar Narciso
CAPÍTULO 8(2/3)
Eram pouco mais de
vinte pra meio-dia e já ‘tava’ de canelas bambas de tanto beber... E chorar.
Cabeça a minha, virar quatro dozes de uísque numa sentada de barriga vazia foi
quase suicídio. Devia ter escutado a Lex... Mas precisava muito de criar alguma
coragem, mandar a autoestima praquele lugar antes de ir me humilhar diante de
minha mãe.
‘Nóis’ podia ter
chegado mais cedo se aquele sujeito na porta do bar ‘num’ tivesse insistido
tanto em pedir uma ‘rapidinha’ com Lex atrás do balcão.
Marmanjos, tomem muito
cuidado com o que ‘ocêis’ desejam! A sanha por sexo de Alexia é quase
mitológica entre os machos da cidade. Ela já teve um orgasmo tão selvagem que o
outro precisou de fisioterapia pra endireitar os dois pescoços, se é que
‘ocêis’ me entendem... Esse último só ficou com o queixo meio deslocado, mas quem
avisa amigo é!
Quatro quarteirões
abaixo da obra da prefeitura, do lado direito da pista, construído entre uma
pastelaria e uma boca de fumo, nosso lar, doce lar... Edifício Otto
Rotscheider. Já existia antes de eu nascer, e em todos os anos que morei aqui
acho que nunca vi a fachada ser reformada. Quando pequenas, eu e Lex
costumávamos ficar deitadas no passeio e contar quantas rachaduras novas tinham
aparecido. Pobre se diverte como pode, né? (Risos)
Enquanto me preparava
psicologicamente pra enfiar a cabeça na boca do leão, Lex se fazia de avoada,
ouvindo daqueles rocks ‘indies’ dela no celular, zoando o falsete do vocalista.
What could I do? What could I do? Prima morre de gastura dos fones de enfiar no
ouvido e escuta música com o autofalante do celular encostado na cabeça.
-Weird...- Lex puxou
conversa do seu jeitinho patenteado- É só impressão minha ou tudo que é carro
de repente sumiu da rua?
- Cadê o apoio, Lex?
Veio aqui me ajudar ou vai ficar só posando na calçada?
- Oh, so sorry,
Majestade Barbie! ‘Ocê’ tá há quase quinze minutos alisando esse interfone e
nada de apertar o botão!
- Sabe que ‘num’ é
fácil, prima! Falar com mãe é garantia de raiva e confusão!
- E por culpa de quem,
né? Até aqui, toda vez que eu vi a casa cair foi ‘ocê’ que partiu pra cima,
cumádi!
- ‘Num’ tá me
ajudando...
- Kurt Cobain! Toca
logo esse interfone e ‘quéta’ com o suspense! O ‘não’ a gente já tem garantido
mesmo!
- Merda... Lá vai!
Pronto, apertei. Achei
que ia vomitar de tão nervosa...
- Quem é?- Dona
Florisbela atendeu.
- Mãe?
- Ah, ‘num’ acredito!
Bárbara? ‘Ocê’ mesmo, filha? Sobe aí!
O portão eletrônico se
abriu, e como a tradição manda, Sabata, nosso cão-lingüiça, desceu correndo os
três andares do prédio e voou feito um míssil pra cima da gente lá na rua. Nós
duas salvamos ele de ser sacrificado no canil quando Lex veio morar aqui e desde
então esse cachorro tem sido a única razão de eu ainda gostar daqui de casa.
- Sabata! E aí,
cachorrinho lindo da mamãe? Beijinho, beijinho! Puxa, andou engordando, hem?
- Ah Barbie, e pensar
que ‘ocê’ tava quase matando um na rua a um segundo...
- Sabatinha da mamãe
aqui faz milagre, prima. Anda, ‘vamo’ subir!
Respirei fundo diante
da porta do apartamento e apaguei o cigarro debaixo do tapetinho, enquanto
prima tentava abanar o cabelo cortado da roupa e ajeitar o batom.
- Tá na cozinha, mãe?
- Tô sim, filha. O
almoço tá saindo do forno!
Essa Florisbela...
Agora ela mandou pôr um vidro rosa e um spot de LED na estante de troféus
(pausa pro recalque...) da ‘adotada’, bem no meio da sala, que parece que
aumentou ainda mais a quantidade de troféus desde janeiro. Clarissa, minha irmã
adotiva, ‘a Bárbara que deu certo’... Ai, que ódio da moleca!
Uma piada entre amigos
da família diz que tanto faz olhar pra mãe como pra mim. Nasci um clone
perfeito dela. Mesmo quando era menina no berço nosso ‘parecimento’ assustava
todo mundo. Como uma barata eu ‘num’ evoluí, só continuei crescendo. (Risos)
Pra uma índia ela bem que envelheceu pouco nos últimos trinta anos, então
continuamos quase gêmeas. E aí veio ela abraçar a gente... Parece que emagreceu
uns cinco quilos desde a última vez, mas nada que se compare com essa vara de
espetar balão que sou eu.
- Que surpresa,
meninas! Jesus! O que aconteceu, minha filha? Parece que um trator te
atropelou! Êpa, que cheiro é esse? É uísque? Há essa hora?
- Hã... Não, acho que
não... Deve ser o fumacê do incenso de Vó Ganesha, tinha queimado uns lá no
posto e...
- Oi, tia Flor!
- Alexia, paixão! Dá
um abraço na tia! Finalmente resolveu cortar o cabelo, né? Fazia quanto...
- Um ano quase todo.
-Amei o corte! Nem
lembrava mais que ‘ocê’ tinha orelha! Mas ainda tá usando esse trapo ‘véio’
amarrado na testa, menina?
O cabelo de prima deu
uma escorregada pro lado esquerdo e deixou metade daquela tattoo horrorosa nas
costas dela à mostra. Achei que mãe ia desmaiar, ‘inté’ pôs a mão no peito...
- ... Sem falar em
‘outros’ vícios... Que foi que ‘ocê’ andou aprontando, Alexia?
- Nem queira saber...
- Tão raquíticas, as
duas! Anda, vão pegar almoço procêis! Tem arroz, angu e pudim de carne no
forno.
- Brigada, tia.
Pra variar, Lex sempre
bancando a diplomata entre mim e mamãe... ‘Mió’ assim. Quanto mais elam
conversam, menos eu preciso catar as palavras certas pra ‘num’ começar um
incêndio ou uma guerra.
CONTINUA...
*
Escritor e designer gráfico. Contatos:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
cyberyanmar@gmail.com
Conheçam
meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer
Bárbara invade o espaço de Aléxia mais uma vez, e conta suas dificuldades familiares de um jeito inesperado.
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