domingo, 6 de março de 2016

A caneta


* Por Alberto Cohen


Acordou sem saber, de imediato, onde estava. Aos poucos foi percebendo os detalhes, a penumbra, a televisão que chiava num canal fora do ar, o tapete em que derrubara o cinzeiro, o sofá onde cochilara. Jamais a sala do apartamento pareceu tão grande e hostil.

Uma idéia ridícula que só poderia ocorrer àquela hora da madrugada, mas que para ele adquiria contornos de grande seriedade e indagação social, tomou conta de sua mente, ainda sonolenta: No meio dos sem-terra, sem-teto, sem-trabalho, enfim, de tantos sem, imagine-se o escândalo que seria o aparecimento repentino de alguém como ele, com uma existência vazia, uma sala imensa e inútil, uma tv 42 polegadas, tela plana, fora do ar, uma grande idéia jamais concluída, uma caneta esferográfica... Nesse ponto, procurou a caneta nos dedos e, não a encontrando, começou a vasculhar o pequeno território que, ultimamente, era seu centro de referência: sofá, mesa lateral, estante, tapete... Nada! Onde diabos havia se metido a maldita?

Encheu-se de importância, como se o mundo dependesse de seus escritos cada vez mais raros e esbravejou, mentalmente, contra aquelas forças que o impediam de cravar no papel imagens definitivas.

Inopinadamente veio a pergunta: e se achasse a caneta? Antes de cochilar havia tentado, horas a fio, escrever algo original, ou nem tão original, sem o menor sucesso.

Dignamente, levantou-se, recolheu o maço de cigarros, outros trastes pessoais e foi dormir.

A ser um sem-idéias, preferiu, estrategicamente, ser um sem-caneta.


* Poeta e cronista paraense

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