sábado, 10 de outubro de 2015

Ambrose Bierce: genial ou bestial?


O leitor é capaz de identificar o autor das seguintes (e exóticas) definições?: “Hipócrita: indivíduo que, ao professar virtudes que não respeita, assegura as vantagens de parecer ser aquilo que despreza (...) Paciência: uma forma menor de desespero, mascarada de virtude (...) A política é a condução dos negócios públicos para proveito dos particulares (...) Ladrão: nome vulgar para um indivíduo com sucesso em obter a propriedade dos outros (...) Cínico: um malandro cuja visão deficiente lhe apresenta as coisas como elas são, não como deviam ser (...) Ignorante: uma pessoa que desconhece certas coisas que nos são familiares, conhecendo outras coisas das quais nunca ouvimos falar (...) Responsabilidade: um fardo descartável e facilmente transferido para os ombros de Deus, do Destino, da Sina, da Sorte, ou do nosso vizinho. Nos tempos da astrologia, era comum descarregá-lo para cima de uma estrela (...) Um santo é um pecador morto, revisto e corrigido”.

Quem escreveu isso, e muito mais, foi o jornalista, escritor e aventureiro norte-americano (não necessariamente nessa ordem), Ambrose Bierce, que há 102 anos desapareceu no México, sem que jamais ninguém soubesse o que lhe aconteceu e nem quando e como morreu. Só se sabe com certeza que num belo dia esse indivíduo largou, sem essa ou mais aquela, tudo o que fazia – emprego, família, amigos (raríssimos) – e, simplesmente... desapareceu, sem que até hoje se achasse o menor vestígio sobre o que resultou o que seus biógrafos classificam como “aventura mexicana”. Para alguns, ele teria morrido em fins de 1913 ou início de 1914. Teria sido executado por seguidores de Pancho Villa, a cujo grupo supõe-se que tenha se juntado. Recorde-se que aquela era uma época em que o México estava em plena ebulição, no auge de sua prolongada revolução.

Todavia, os mexicanos, seguidores desse caudilho, negam que Ambrose Bierce tenha sido morto por eles. Ademais, seu corpo jamais foi encontrado em lugar algum. O escritor “maluco de pedra” simplesmente desapareceu, evaporou-se, desmanchou-se no ar, tão a gosto dos temas que tanto explorou em seus contos. Explico. Ambrose Bierce é considerado, hoje, um dos mestres da literatura de horror norte-americana, comparável, por exemplo, ao criador do gênero, Edgar Alan Poe, e ao escritor que o revolucionou, H. P. Lovecraft. Há quem diga que ele superou a ambos. É questão de opinião. Eu não diria tanto. Para uns, foi genial. Já para outros, foi bestial.

As definições com que abri estes comentários constam de seu livro mais conhecido, “Dicionário do Diabo”. São para lá de conhecidas, tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, citadas amiúde, nos mais variados contextos, quer por jornalistas, quer por escritores e quer pelo povão das ruas. No Brasil, poucos já ouviram falar desse sujeito no mínimo excêntrico, que, reitero, para uns foi gênio e, para outros, doido varrido, digno de uma camisa-de-força. Até não faz muito, eu não conhecia praticamente nada desse personagem, a não ser uma ou outra citação do seu livro “Dicionário do Diabo”.

Há alguns dias, porém, assisti a um documentário a seu respeito no canal de televisão a cabo, “History”, e fiquei estupefato com seu teor. Achei que a referida matéria era exagerada, que, mesmo em nosso mundo maluco (que suponho ser o único, habitado, enquanto não se descobre nenhum outro), não é possível ter existido alguém tão excêntrico e tão, digamos, esquisito quanto Ambrose Bierce. Como se tratava de um escritor, e como tenho obsessão por tudo o que se refira, de uma forma ou de outra, à Literatura, saí à caça de mais informações sobre ele. E as referências que encontrei fazem com que o documentário do “History” seja, no mínimo, sóbrio e, principalmente, verossímil.

Entre as referências sobre Ambrose Bierce que encontrei, está o livro “Visões da noite”, da jornalista, escritora e tradutora Heloísa Seixas, lançado em 1999 pela Editora Record, cuja introdução a autora disponibilizou em seu site na internet. E logo no primeiro parágrafo, fica claro o perfil que satisfaz plenamente a forma como ela o caracterizou: “Personagem de si mesmo”. Isso mesmo, foi um indivíduo sobretudo narcisista, que adorava, como poucos, o próprio umbigo.

Heloísa escreve: “Ele era louro, alto, bonitão e as mulheres consideravam-no irresistível. Dizem até que tinha sido tão bem-dotado pela natureza que jamais se desnudava diante de uma mulher para não assustá-la. Era agnóstico, ateu, herege, ou como você queira chamar aqueles que descrêem de tudo. Sarcástico ao extremo, dedicou boa parte da vida a cultivar inimizades graças a sua atividade de jornalista, profissão que exercia despejando veneno a granel. Era um crítico feroz, inteligente e incansável — e por isso intensamente odiado por muitos. ‘Minha independência é meu patrimônio. É minha literatura’, dizia. ‘Escrevo para agradar a mim mesmo, não importando quem saia ferido’”.

Por este ínfimo “aperitivo” creio que até o leitor mais distraído e indiferente fica curioso para conhecer mais detalhes da vida e da obra desse “maluco beleza”, tal qual era o nosso Raul Seixas, posto que feroz e agressivo, ao contrário do nosso saudoso cantor. É sobre Ambrose Bierce que me proponho a tecer, nos próximos dias, alguns comentários, acompanhados (óbvio) de algumas informações “básicas” que a maioria ignora. Ah, para os que esperam de mim alguma sugestão de leitura, informo que a Eucléia Editora (que suponho ser de Portugal), lançou, em 2010, a compilação e tradução integral desse escritor, comparado por muitos a Edgar Alan Poe e H. P. Lovecraft, intitulada “Os contos completos de Ambrose Bierce”.

Boa leitura.


O Editor.

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