A
obra morre
* Por Pedro J.
Bondaczuk
A identidade de pensamentos,
sentimentos e crenças é a única forma de tentarmos preservar nossas obras do
esquecimento e da morte, tão logo venhamos a esgotar nosso tempo sobre a Terra.
É uma imensa tolice, portanto, nadar contra a correnteza e pretender “fazer
cabeças”, com vistas a modificar gostos e opiniões para fazer proselitismo.
Leio, por exemplo, com maior atenção e
gosto, apenas livros de escritores com os quais me identifico, que tenho
empatia nem que seja minimamente, que pensam como penso e que aprofundam e
justificam esses meus pensamentos. Os outros... Não me proponho sequer a
refutar o que pensam. Ignoro-os. Quase todas as pessoas agem assim.
O mesmo vale em relação às outras
artes, como pintura, escultura, música etc. Temos a vã ilusão que as obras que
deixarmos irão preservar nossa memória através dos séculos e milênios e que não
“morrerão” jamais. Ledo engano.
Mesmo que aquilo que deixarmos venha a
despertar a identidade de milhões de pessoas (que tenham os mesmos pensamentos,
sentimentos e crenças que nós), não há a mínima garantia de que essas
realizações nos sobrevivam, digamos, por dois, cinco ou dez anos, quanto mais
“para sempre”. Não tardará para sermos esquecidos, como se sequer tivéssemos existido,
salvo uma ou outra exceção e por motivos inexplicáveis racionalmente.
Vira e mexe, por exemplo, descubro, em
sebos, livros excelentes, que mereceriam tratamento muito mais nobre e que, no
entanto, estão esquecidos, vendidos “aos quilos”, como papéis inúteis.
Certamente, quem os escreveu tinha pretensões muito maiores do que esta. Sempre
que posso, tento “ressuscitar” esses escritores, na vã esperança de que alguém,
algum dia, em algum lugar, dentro de uns cinqüenta anos, por exemplo, faça o
mesmo comigo. Quem sabe?!
Uma das maiores decepções que tive, em
tempos recentes, foi encontrar meu livro “Por uma nova utopia” em um sebo que
visitei. Levei um choque! E eu que achava que aquilo que escrevi havia agradado
os leitores! Afinal, esgotaram-se seis edições, o que, no Brasil, não deixa de
ser uma façanha.
Fico me perguntando: quem não gostou do
livro, a ponto de se desfazer tão rapidamente dele? O que o desagradou? Foram
os temas de que tratei? Foi o estilo? Foram minhas conclusões? Sei lá! O fato é
que o livro que escrevi com tanto empenho e paixão, com tanta garra e tanta
esperança, estava lá, naquele sebo, vendido a preço irrisório, como sucata,
papel velho ou sei lá o quê.
Claro que continuo esperançoso de vir a
me constituir em exceção à regra. Claro que continuo me empenhando cada vez
mais, lendo, estudando e escrevendo, escrevendo e escrevendo, incansável e
compulsivamente, sonhando que meus textos me sobrevivam para sempre e atestem a
meu favor junto à posteridade.
Sem nenhum laivo de pessimismo, porém,
sei que as chances são pequenas, ínfimas, remotíssimas de que isso venha a
ocorrer. Tanta gente melhor do que eu não conseguiu. Busco, porém, reunir
qualidade à quantidade, para que, daqui a alguns anos, pelo menos uma simples e
reles crônica das milhares que escrevi sobreviva ao tempo e ao esquecimento e
ateste que existi, amei, odiei, sofri, fui feliz e, sobretudo, vivi.
Minha obra é como aquelas mensagens que
as pessoas escrevem, colocam em uma garrafa e lançam ao mar. A probabilidade é
que ela nunca chegue às mãos de ninguém, dada a vastidão do oceano. Mas há
sempre remotíssima chance de que um dia alguém, em algum tempo, em algum lugar,
provavelmente a milhares de quilômetros do local em que a tal garrafa foi
jogada nas ondas, a encontre.
Morris West escreve o seguinte, a
respeito, no romance “O Advogado do Diabo”: “A obra morre. Quantos homens
Cristo curou? E quantos deles estão vivos hoje? A obra é uma expressão daquilo
que um homem é, do que sente, daquilo em
que acredita. Se dura, se se desenvolve, não é devido ao homem que a começou,
mas porque outros homens pensam, sentem e crêem da mesma maneira”.
É esta a minha esperança. Esta é a
confiança que teima em se manter presente, espicaçando-me a escrever, escrever,
escrever e escrever, prolífica e compulsoriamente. Por isso é que tento
entender as pessoas e estabelecer absoluta empatia com elas. Se vou conseguir
fazer a mensagem na garrafa chegar às mãos da posteridade... jamais saberei!
Seguirei tentando!
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Faço minhas suas palavras, meu amigo. Quiçá tenhamos esta sorte, remotíssima, é verdade. Mas sempre haverão os "Paulo Coelho", raríssimos, que, bafejados pela incompreensível casualidade chegam ao estrelato. Aliás, confesso que não gosto de Paulo Coelho (diga-se, seus livros) preferia-o como quando era parceiro de Raul Seixas, compondo belíssimas letras tais como as conhecemos e que foram (e é) verdadeiros sucessos.
ResponderExcluirEu já comprei o meu próprio livro no Sebo do Recife por dois reais... A luta continua. Referente ao Paulo Coelho como compositor quando era parceiro de Raul Seixas, concordo com Edir, em número, gênero e grau.
ResponderExcluirEmbora não entenda a sua sede pela imortalidade, e acredite que esse fato é mero acaso, espero que consiga alcançar o que deseja. Do ponto de vista apenas humano, só existimos enquanto os nossos filhos estão vivos. Depois disso, acabou. A nossa sepultura será esquecida para sempre. É preciso nos acostumarmos com isso.
ResponderExcluirCometi um erro grosseiro, talvez infantil. Peço desculpa aos amigos leitores, corrigindo:
ResponderExcluirerro > "e que foram (e é) verdadeiros sucessos."
correção > "e que foram (e são) verdadeiros sucessos."
Lembro que quando digitava fui chamado no celular, e me descuidei. Ainda bem que ninguém me corrigiu senão eu coraria de vergonha. Perdão mais uma vez, mas sou tão detalhista que não me conformo com tais deslizes.