segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Novos signos

* Por Daniel Santos


O velho marxista enterneceu-se, dia desses, ao suspeitar que o filho  saía com amigos para pichar palavras de ordem contra o governo, da mesma forma que ele fizera quando ainda janotinha de universidade.

Tal pai, tal filho – disse de si para si, pleno de orgulho. E a suspeita confirmou-se, ao encontrar na mochila do adolescente uma lata de tinta spray preta. É, a mesma de décadas atrás e que todo saudosista conhece.

Numa dessas escapulidas do guri em plena madrugada, seguiu-o. Queria experimentar a emoção de ver o seu pimpolho em plena atividade ideológica – infelizmente, algo quase demodé entre os jovens de hoje.

Viu que o carro da turma (seria uma célula?) despistou pelas ruas do bairro e estacionou, minutos depois, defronte a um sobrado com a tinta da fachada ainda fresquinha. O filho saltou e escalou o prédio até o alto.

Lá em cima, grafitou desenhos e inscrições ininteligíveis até para a KGB. E só. Nenhum discurso, nenhuma panfletagem. E o pai voltou para  casa derrotado pela dúvida: afinal, que revolução seria essa já em curso?

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. O objetivo é destruir e não se comunicar, além da medição de forças entre rivais.

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