Pra que rimar amor e dor?
A dupla de compositores Monsueto
Menezes e Arnaldo Passos compôs, em 1955, uma canção popular de muito sucesso
na época e que encerra preciosa lição de vida. Seu título é “Mora na filosofia”
e a letra diz, em certo trecho:
“Mora,
na Filosofia,
Prá
que rimar amor e dor?”.
Sim, pra que?! Por que associar uma das
potencialmente maiores fontes de prazer (físico, psicológico e emocional) ao
sofrimento? Considero essa associação não apenas inadequada como o máximo dos
máximos, o suprassumo da insensatez, posto que raros de nós deixamos de agir
assim. Por que? Pela estranha mania de complicar coisas que são tão simples!
A dor e o prazer, presumo, foram as
primeiras lições de vida aprendidas por nossos mais remotos ancestrais, tão
logo tomaram consciência de si e de onde estavam. Aprenderam a evitar a
primeira dessas sensações físicas desagradáveis, talvez após reiterações, não
repetindo mais, a partir de determinado momento, as ações que as causaram e
buscando repetir o que lhes ensejava sentir o que era prazeroso. Aliás, esse
ainda é, hoje, um aprendizado primitivo, na mais tenra idade. Quando bebês que
mal começamos a engatinhar, nem sempre obedecemos às ordens dos adultos para
não nos expormos a riscos. Para não mexermos em tal coisa – por o dedo numa
tomada, por exemplo – ou não subir num lugar de onde possamos cair e nos ferir.
Todavia, só após levarmos um choque ou irmos parar no chão e batermos a cabeça,
ou outra parte qualquer do corpo, e nos contundirmos, mesmo que
superficialmente, “talvez” aprendamos a evitar tais riscos. Sim, talvez. Nem
todos aprendem. Mas...
Aqui refiro-me, especificamente, à dor
e ao prazer físicos, não aos psicológicos e/ou emocionais, que são muito mais
complexos e não raro mais duradouros.Salvo se tivermos algum desvio mental ou
comportamental (se formos “masoquistas”, por exemplo), detestamos sofrer, quer
esse sofrimento seja de caráter orgânico, quer de outra natureza qualquer.
Todavia, dada nossa fragilidade, ele é inevitável. Alguns sofrem mais (por
razões específicas à sua realidade de vida e às circunstâncias que têm que
enfrentar), e outros menos. Mas todos, algum dia, por alguma razão, sofremos
alguma dor, frustração ou desgosto. É inevitável. Ninguém está livre dessas
aflições.
A dor, todavia, é um mecanismo de alarme,
um aviso do sistema nervoso de que algo em nosso corpo se desarranjou e não
está funcionando adequadamente. Por isso, o sensato e correto é, em vez de só
tratá-la especificamente, detectar e corrigir o que a motivou. Há medicamentos
para atenuá-la, mas se a causa não for eliminada, esse alívio terá curta duração
e ela, certamente, voltará. Os médicos, óbvio, sabem disso de sobejo e atuam
nas duas frentes: na do alívio dessa desagadabilíssima sensação e na eliminação
do que a esteja causando.
Tal como a dor, o prazer tem
graduações. Vai da mais simples e corriqueira sensação agradável, ao ápice, ao
êxtase, que envolve, além do corpo, componentes emocionais e psicológicas. É a
suprema alegria, posto que rara. Não advém, como supõem alguns pseudomísticos (na
verdade masoquistas), da mortificação da carne, do sacrifício, das privações ou
da angústia. Tudo isso apenas causa dor, que é exatamente o oposto do prazer.
O êxtase não é encontrado no mundo
trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora exista um produto com
este nome que promete irresponsavelmente conduzir seus insensatos usuários ao
"paraíso". Não os conduz. Lança-os, de fato, no “inferno” de onde
dificilmente conseguirão escapar. Dinheiro algum é suficiente para comprar essa
enorme e absoluta felicidade. O êxtase é a culminância de pequenas satisfações,
quase nunca valorizadas, que temos no dia-a-dia e que se somam até se
transformarem em algo grandioso e inesquecível. Uma das maneiras de atingi-lo é
através do amor.
Todavia, há que se ponderar que há
várias formas de amar. E que nenhuma tem maior grandeza e transcendência do que
a que envolve coração, corpo e alma, simultaneamente. Creiam-me, isso é raro,
raríssimo e por uma série de razões (que não cabe, aqui, identificar). O êxtase
advindo dessa forma absoluta de amor
(que pressupõe, implicitamente, plena correspondência) é, no meu modo de ver, o
maior privilégio que possamos ter. O amor platônico é bom, mas produz, apenas,
êxtase psíquico, sem efeito duradouro. O carnal é delicioso, mas satisfaz só o
físico e, via de regra, se extingue após a satisfação do instinto animal. Mas o
amor total, sem reservas ou restrições, ah! esse é um delírio!
Só é possível, porém, de ser entendido
por quem tem (ou teve) a ventura de senti-lo com a devida correspondência. É o
êxtase dos êxtases, mesmo que de curta duração. Ainda quando acaba, permanece
vivo e intenso na lembrança e é inesquecível, por se tratar do momento mais
marcante de um homem e de uma mulher. Edgar Morin nos lembra um fato óbvio, do
qual nem sempre nos damos conta: “O amor (certamente o que envolve coração,
corpo e alma) dá-nos o êxtase psíquico, e dá-nos o êxtase físico”. É, portanto,
completo.
Há, porém, outros tantos tipos de prazer
que, mesmo não sendo tão superlativos, são desejáveis e muito procurados. O que
realmente vale a pena na vida é simples, gratuito e sequer exige grande
esforço. Requer apenas predisposição favorável e sentidos alertas. Está na
natureza, da qual fazemos parte e quase nunca nos damos conta. Existe para o
nosso usufruto. É um bem inesgotável e universal. Nas pequenas coisas é que
reside a satisfação maior. Somos os arquitetos da maioria dos nossos próprios
sustos. Mas também o somos da felicidade, que reside em pequenos momentos que
raramente sabemos identificar e valorizar.
Agimos, em geral, sem pensar em
profundidade em nossos atos e suas conseqüências. Não pensamos de maneira
unitária. Nossas idéias são dispersas, vagas, contraditórias. Temos que
unificá-las... Mesmo que a "marteladas", como sugeriu o poeta inglês
William Butler Yeats. Os verdadeiros prazeres, os que justificam toda uma
existência, são, reitero, simples e gratuitos. Estão ao alcance de qualquer um
que os queira usufruir. No entanto, complicamos tanto a nossa vida! No entanto,
nos afligimos por tão pouco! No entanto, tentamos, na maior parte do nosso
tempo, agarrar sombras! Não agimos assim, é evidente, por masoquismo, por
eventual satisfação em sofrer ou por maldade. Mas, cá para nós: “Prá que rimar
amor e dor?”!!!!
Boa
leitura.
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Deve ser para retratar os opostos nesse nosso mundo dual.
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