O
jogo
* Por Rodrigo
Ramazzini
- Par.
- Impar. Um, dois, três e já!
- Ganhei! A bola é nossa.
Era um jogo de futebol aguardado há
muito tempo pela turma do Carlinhos. Era contra “o time da rua” do Cabeça, que
ficava distante duas quadras. O jogo aconteceria em frente à casa do Carlinhos,
na rua mesmo, tendo como “gramado” o chão batido. As goleiras mediam um passo
“dos grandes” do Flavinho, atacante do time do Cabeça, e eram marcadas com dois
tijolos deixados no chão. Logicamente, não havia travessão. As demarcações “do
campo” tinham como linhas laterais o começo das calçadas das casas. As linhas
de fundo e central foram desenhadas.
A puída bola foi colocada no centro.
Cada time tinha cinco jogadores de linha. Devido ao tamanho da goleira, não se
colocava goleiro. Ficou combinado também que o jogo iniciaria naquele momento e
só acabaria quando o sol houvesse se “posto”, e não fosse mais possível
enxergar a bola. Quem perdesse a partida pagava um refrigerante de 2,5 litros ao
adversário.
O jogo começou com certa vantagem para
o time do Cabeça, que logo no inicio marcou dois gols. Além da abertura do
placar, os problemas de se realizar aquele jogo no meio da rua também
começaram, apesar de já ser praxe. O primeiro episódio aconteceu com a Dona
Odete, conhecida como “Índia” pelo pessoal do bairro. Ela passava até com certa
distância do campo de jogo. Porém, no calor do jogo, e sem medir as
conseqüências, durante um ataque do time do Cabeça, o Gordo, zagueiro do time
do Carlinhos, afastou a bola para fora do campo com um “bicão” para cima. E,
com uma falta de sorte danada, a bola caiu na cabeça da Índia, vindo a derrubar
os seus óculos. Por sorte nem arranhou. Os xingamentos “ofertados” pela Dona
Odete paralisaram a partida por alguns instantes, porém, logo foram esquecidos
e jogo recomeçou.
O placar marcava 6 a 3 para o time do Cabeça
quando o jogo sofre nova paralisação, desta vez por causa de uma “batida”. Foi
em uma disputa aérea pela bola, no meio “do campo”, o Banana e o Maninho
chocaram-se de cabeça. O Maninho nada sofreu, mas o Banana não teve a mesma
sorte. Um corte abriu-se na nuca. Uma grande quantidade de sangue escorreu, o
que assustou a todos. O Juca da Barbearia, que fica na esquina da rua, o
conduziu até o hospital.
Passado o susto, o jogo reinicia, e
logo no primeiro lance, novamente o zagueiro Gordo ricocheteia a bola de
canela, e ela acaba subindo. Sobe tanto que acaba batendo nos fios de luz. Foi
aquela correria! Como os fios se tocaram, um princípio de curto-circuito
iniciou, saindo grande quantidade de faísca.
Tranqüilizados por não terem
interrompido o fornecimento de energia elétrica na rua, o jogo recomeça com a
vantagem no placar para o time do Cabeça, com a diferença de um gol, 14 a 13. E essa aproximação no
placar acirra os ânimos no “campo”. Faltas violentas, reclamações e discussões
começam entre os dois times. E em uma dessas faltas, cometida pelo Cabeça sobre
o Carlinhos na ponta-direita, durante a reclamação pela marcação, indignado, o
Cabeça chutou a bola para o lado. Com uma precisão impressionante, a bola
passou por dentre dois galhos de uma árvore e atingiu certeiramente o vidro da
janela da sala do Seu Floriano. Quando os jogadores ameaçam correr, o Seu
Floriano aparece na janela e apazigua – Eu sei como é. Já tive a idade de vocês!
Com o perdão do Seu Floriano, a bola foi colocada no local da falta e voltou a
rolar.
O Sol já desaparecia no horizonte. A
partida estava próxima do fim. Foi então que aconteceu o lance polêmico. O
Carlinhos driblou três jogadores do time do Cabeça e chutou. A bola tomou certa
altura e passou no alto dentre os dois tijolos (goleira). Como as “goleiras”
não tinham travessões, o critério para validar um gol, neste caso, era
subjetivo. Dependia da altura, que ninguém sabia qual era a correta. Para uns foi
gol, para outros não. Gol esse que se validado empataria a partida. Daí iniciou-se
a confusão! Foi aquele bate-boca, empurra daqui, ameaça dali, e com as
provocações, o Carlinhos e o Cabeça começaram a brigar, com os demais jogadores
apenas “incentivando”. Trocavam socos no meio da rua quando apareceu na janela
de casa a mãe do Carlinhos, gritando – O que é isso Carlos! Passa para dentro!
Vamos acabar com esse jogo. Onde já se viu brigar na rua! Passa para dentro!
E como o Carlinhos era o dono da bola,
a partida se encerrou sem se definir o placar. Mas um novo jogo já foi marcado
para semana que vem...
* Jornalista e cronista
Jogo mais animado do que os dos estádios, as atualmente chamadas arenas.
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