Caso Jobim, afinal reconhecido
* Por
Frei Betto
No Rio, escutei no
rádio, na manhã de sábado, 24 de março de 1979, que o embaixador José Jobim
havia sido sequestrado há dois dias. Estranhei. Jobim não tinha envolvimentos
políticos, embora fosse homem progressista.
Era pai de Lygia
Maria, casada com o editor Ênio Silveira, e de cuja filha, Maria Rita, sou
padrinho. Fui à casa da família, no Cosme Velho. Ao chegar, soube que o corpo
havia sido encontrado na Barra da Tijuca.
Ênio e eu fomos ao
local. De fato, ali estava o embaixador morto. Mas toda a cena nos pareceu
estranha: enforcado em um arbusto inferior à altura de seu corpo e em um
canteiro divisor das pistas de uma avenida do Itanhangá...
Havia curiosos em
volta, policiais e o delegado Rui Dourado. Este nos disse: “O embaixador
apanhou bastante”. E que, pelas características do ocorrido, os autores não
eram bandidos comuns.
Na época, o caso foi
encerrado como “suicídio”. Lygia Maria, editora como o marido, não se
conformou. Fez Faculdade de Direito e se dedicou a investigar o caso durante 34
anos.
Em 1983, a então
promotora Telma Diuana (hoje desembargadora aposentada), designada para reabrir
o caso, solicitou novas investigações, baseando-se na “dubiedade do laudo que
concluiu pelo suicídio”.
O inquérito mudou a
versão inicial ao apurar que os fatores da morte eram “todos incompatíveis com
a hipótese adotada pelos legistas oficiais”. Foi arquivado como “homicídio por
autor desconhecido”.
Lygia não se
conformou. Ênio e eu éramos testemunhas de que nenhum suicida escolheria para
se enforcar um arbusto incapaz de sustentar seu corpo. Era evidente que ele
havia sido colocado ali. Como Antígona, Lygia sabia muito bem que, sob
ditaduras, nada é como parece.
Jobim, antecipando-se ao que o Brasil assiste hoje,
havia dito à família que pretendia denunciar, na posse do general Figueiredo,
os esquemas de superfaturamento na construção de Itaipu, cujo valor inicial foi
multiplicado por dez ao longo das obras.
Lygia não busca
indenização. Quer apenas “o reconhecimento de responsabilidades. Itaipu matou
meu pai e os agentes do Estado destruíram as provas”. E promete não descansar
enquanto não descobrir de quem partiu a ordem para “suicidar” seu pai.
Felizmente, a Comissão
da Verdade o incluiu entre as vítimas da ditadura militar.
* Frei Betto é escritor, autor de “O
que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.


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