segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Obediência fede


* Por Daniel Santos


Coube ao irmão mais velho servir de modelo ao comportamento dos mais novos que, no entanto, admiravam nele a traquinagem diuturna, o seu jeito moleque de desobedecer e de mostrar que tinha cabelinho nas ventas.

Não raro, repreendia a própria família com argumentos impossíveis de rebater. Com isso, ele deixava de ensinar aos menores que a obediência era a maior  virtude filial. Deveria, assim, retomar o caminho da retidão.

“O quanto antes!”, o pai enfatizou numa conversa com a esposa que  se queixara da constante rebeldia do primogênito. Dito isto, ele levou o garoto para trás da casa, enquanto a mãe saía com os demais ao jardim.

Foram apenas alguns minutos, mas o que quer que tenha ocorrido lá nos fundos valeu para sempre: o rebelde retornou ao convívio familiar cabisbaixo, olhar sobressaltado, corpo dolorido e surpreendente mudez.

Era ele ainda? – intrigaram-se os irmãos, que lhe perguntaram sobre a “conversa” com o pai. Adulto já, dá de ombros e responde “não importa mais”, mal suportando o cheiro da obediência que fede nele como necrose.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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