sábado, 24 de janeiro de 2015

Caráter e personalidade


Os educadores – e os moralistas de plantão – falam, amiúde, sobre caráter e da necessidade de formar no educando um que seja sólido e a salvo de qualquer abalo. Quando uma pessoa age contra princípios legais e, em especial morais, diz-se que ela não possui essa característica, essa estrutura, esse conjunto de virtudes que, se possuísse, seria modelo de comportamento a ser seguido. Todavia, essa espécie de “distintivo” nosso, que nos caracteriza e nos diferencia de qualquer outra pessoa (mesmo de gêmeo univitelino) é, em geral, confundido com “personalidade”. Sobretudo os leigos consideram esses dois conceitos sinônimos. Até em Psicologia há correntes com esse entendimento, que considero equivocado. Caráter não se molda pela educação. Personalidade, sim. Uma pergunta se impõe, antes de desenvolver o tema: é importante para o leigo estabelecer essa distinção? E mais: que importância isso tem para um escritor?

No primeiro caso, para o cidadão comum, que não entenda nada de Psicologia e nem se importe em entender, distinguir caráter de personalidade não faz a menor diferença. Já para quem vive de fazer Literatura, isso importa, e muito. Afinal, o escritor lida com palavras. E quanto mais precisas elas forem, quanto mais exatas puderem ser as definições de conceitos com os quais lida, tanto melhor. Sua obra ganha em conteúdo e credibilidade. Além disso, o escritor é “criador” de personagens. Estabelece não só seus perfis físicos, sua indumentária e costumes. “Inventa” não apenas suas ações, mas tudo o que as motive e determine, de sorte a tornar essas figuras criadas pela sua imaginação rigorosamente verossímeis.  Mesmo que o leitor desatento não perceba,  quem vive de escrever cita, o tempo todo, ora um, ora outro desses dois conceitos. E não se admite que não os conheça, pelo menos nos seus aspectos mais elementares e, por isso, os confunda.

Pincei, a esmo, em minhas fichas de leitura, citações de diversos autores sobre esses dois dos nossos “distintivos”, que nos caracterizam e nos distinguem uns dos outros e que, reitero, não são sinônimos, embora as diferenças sejam sutis (contudo não apenas semânticas como muita gente defende). Confúcio, por exemplo, declarou: “Ao examinarmos os erros de uma pessoa, conhecemos o seu caráter”. Oscar Wilde, por seu turno, garantiu: “Se há uma coisa que destrua a personalidade, essa coisa é a fidelidade às promessas; talvez, também, o gosto pela verdade”. Para Carlos Drummond de Andrade, “as dificuldades são o aço estrutural que entra na construção do caráter”. Cora Coralina confessou, por sua vez: “Procuro suportar todos os dias minha própria personalidade renovada, despencando dentro de mim tudo o que é velho e morto”.

É certo que estas citações não deixam claras as diferenças entre as duas características. Para Alfred Montapert, “o caráter é a soma de milhares de pequenos esforços para viver de acordo com o que de melhor há em nós”. A escritora portuguesa Agustina Bessa Luís, no entanto, escreveu: “A rapidez que as pessoas imprimem às suas vidas faz com que simplifiquem a realidade e fabriquem o que se chama a ‘personalidade de momento’. Sobretudo nos políticos e homens à escala governativa, isso exprime-se por manifestações impulsivas, peculiares a cada hora, vinculadas ás situações proteiformes”.

Para explicar, de forma razoavelmente didática, a diferença entre estes dois conceitos, recorro à enciclopédia eletrônica Wikipédia, que cita o filósofo francês René Le Senne que, por sua vez, estabelece a seguinte (e para mim definitiva) distinção: “Caráter refere-se ao conjunto de disposições congênitas, ou seja, que o indivíduo possui desde seu nascimento e compõe, assim, o esqueleto mental da pessoa. Já personalidade é definida como o conjunto de disposições mais ‘externas’, como que a ‘musculatura mental’ - todos os elementos constitutivos do ser humano que foram adquiridos no correr da vida, incluindo todos os tipos de processos mentais”.  

Alguns entendem, como o filósofo francês que mencionei, que se nasce com essa excelência e que a educação apenas a consolida. Também entendo dessa forma. Outros, todavia, acham que ela não é congênita. São os que não a distinguem de personalidade e consideram, portanto, ambas meramente sinônimas. Afirmam que o caráter precisa ser moldado com ensino e, sobretudo, com treinamento. No caso, todavia, pretendiam referir-se, no meu modo de entender, a “personalidade”. Mas, cá para nós: Como o homem é complexo e assustador! Um bebê, quando cresce, pode se transformar em um santo ou em um demônio. Em um São Francisco de Assis ou em um Adolf Hitler. É impossível prever como será quando adulto.

O estudo do caráter é tão complexo, que há uma ciência específica dedicada exclusivamente a ele: a Caracterologia, dividida, aliás, em várias escolas, O também filósofo francês, Gaston Berger, chega a apontar oito tipos de caracteres, definidos a partir de três características básicas descritas por Le Senne: emotividade, atividade e ressonância. Voltarei, oportunamente, ao assunto. Por hoje, deixo clara apenas a distinção, com base nos estudos de eminentes psicólogos, entre esses dois conceitos tão importantes, mas tão controvertidos, amiúde confundidos como sendo um único. Caráter é inato e não sofre influências do meio. Já a personalidade é mais ampla. É, ela sim, “moldável e moldada” pelo meio e pela educação e, principalmente, é influenciada por todas nossas experiências vida afora.

Boa leitura.


O Editor.

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