Árvore de amoras
*Por
Urda Alece Klueger
(Para Luiz Ramil)
Lembro de quando
estavas aqui, em agosto, e a árvore de amoras ensaiava a Primavera, neste ano
em que o inverno foi tão brando! A cada manhã parávamos sob ela e víamos as
pequenas amoras verdes crescendo, e eu comentava contigo da abundância que
haveria em breve, da refeição de amoras que eu faria ali, a cada manhã, coisa
encantada, que me ligava à Natureza, ao Passado e ao Presente de fartura, tanta
comida, hoje, neste país, que as crianças já não sabem mais comer fruta no pé!
Então tu te foste antes
que a primeira amora amadurecesse, e eu continuei ali, espreitando aquela
árvore que em poucos dias cobriu-se de amoras pretas, doces e suculentas, e nas
manhãs de andanças com meu cachorro eu já não comia mais em casa, tamanha era a
fartura que havia sob aquela árvore, fartura daquela fruta que me deixava a
boca, o rosto e as mãos cheias do roxo do seu sumo, fartura das lembranças de
ter estado ali contigo. Eram tantas as amoras que eu podia comer até a
saciedade, e elas se despreendiam dos ramos da árvore ao primeiro toque e me
enchiam as mãos, e a cada uma que eu botava na boca eu me lembrava de ti, e
aquela rua que me trazia diversas magias agora ficara mais encantada ainda, e
cada manhã era uma manhã de festa porque havia as amoras e a tua lembrança de
ali, sob a árvore – mais de uma vez eu te escrevi sobre aquelas amoras maduras,
mas penso que não sabes, até agora, como aquele amadurecimento está, agora,
ligado à tua lembrança.
Houve dias que como que
me sentia intoxicada de tanta vitamina C, tamanha a abundância sob aquela
árvore, e é tão mágica e magnífica, aquela árvore, que tanto eu, quanto as
crianças da escola, quanto outros passantes, todos paravam ali para colherem
suas frutinhas negras, e lá vinham mulheres com panelas para a colheita com a
qual fariam doces, ou homens com potes de plástico para colher amoras para as
suas crianças, e todos nos fartávamos e colhíamos o que estava à mão, na parte mais baixa da
árvore, pois lá em cima, quem dominavam eram as aves.
Todo o tipo de aves e
avezinhas fazia sua barulheira primaveril nos altos da árvore, sem nenhum medo,
pois agora as crianças também já não sabem mais perseguir passarinhos, e houve
uma manhã, mesmo, que havia tal bando de aracuãs se alimentando lá no andar de
cima, que quando faziam uma revoada, era quase que com se houvesse um
escurecimento do dia. As aracuãs estavam tão felizes e repletas de amora que, imagino,
naquele dia aproveitaram para perpetuar sua espécie. E eu comi, e depois fui
andando, e depois voltei – tu conheces o meu itinerário – e sempre as aracuãs
continuavam ali a festejar a vida, e como eu sentia que não estivesses ali para
compartilhar aquela exuberância toda!
A festa daquela árvore
continuou por uns quarenta dias – nunca fizera as contas de quanto tempo uma
árvore de amoras permanece frutificando, mas neste ano eu lembrava de ti e de
quanto tempo fazia que te foras, e sabia do tempo. E continuava, a cada amora,
a me lembrar de ti.
Hoje foi a primeira
manhã em que já não havia amoras, e vim para casa com fome. Há que esperar
muito tempo para que aquela árvore volte a frutificar, o que não quer dizer que
ela não continue a frutificar lembranças, pois me mantive sob ela, olhando seus
ramos sem amoras, mas pejados de recordações.
Quanto tempo irá
passar, agora, até que possamos estar de novo sob uma árvore assim, armazenando
novamente as lembranças que ficarão para a vida? Senti muito, muito, a tua
falta.
Bumenau, 04 de Outubro
de 2014
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais uma dezena de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
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Você suja a boca de roxo, enche a barriga de amoras, e fica olhando os galhos sem frutas, mas com a mente cheia de lembranças. E quem lê isso fica com os olhos cheios d'água. Pois, se não há lembranças ligadas a amoras, há saudades ligadas a outras frutas, e a outras árvores. Eu gosto daquilo que se tira do pé e se come cru. No caso, mangas. Doces mangas, doces lembranças e amargas saudades.
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