A árvore
de Natal carente
* Por Gustavo Carmo
Num canto da sala do apartamento
de classe média em um bairro da zona norte do Rio, sozinha e apagada, a árvore
de Natal chora inconformada por ter sido abandonada pela família que a comprou:
— Por que me compraram? Por que
me montaram? Por que me enfeitam tanto se nunca passam o Natal comigo? Eu sou
tão grande e bonita, mas quando chega o dia eles me abandonam. Nem no reveillon eles ficam aqui. Vão todos embora
para Cabo Frio e só me desmontam quase em fevereiro.
A mesa de natal consola a árvore:
— Não fica assim, não. Os humanos
são assim mesmo. Eles dizem tanto ter espírito de Natal, mas nós, móveis, somos
apenas meros objetos de decoração.
— Este ano eles não me deixaram
tomar conta de nenhum presente. Nenhum embrulho colorido ficou aos meus pés. Eu
quero morrer. Eu vou apodrecer, vou me entortar toda e eles vão se arrepender. Insiste
a árvore, aos prantos.
— Deixa de bobagem, árvore. Eles
ainda vão passar muitos natais com você. Diz o anjinho do topo. — É que esse
ano eles decidiram passar o natal com outros parentes deles. Eles não são
obrigados a passar todos os natais aqui.
— Então por que me armam todos os
anos, porra?
— É por causa de um negócio
chamado tradição. Eles querem enfeitar a casa todos os anos com o espírito do
Natal não apenas neste dia, mas durante todo o mês de dezembro. Responde o
anjo.
— Se eles não lhe armarem em
algum ano, as visitas dos seus donos vão achar que eles não têm espírito de
Natal. Que são insensíveis. Que são tristes. Por isso, mesmo que não estejam
felizes, enfeitam esta casa apenas para mostrar que tudo está correndo bem na
família. Você não pode se importar apenas porque eles não passam um dia com
você. Quando na verdade, passam o mês inteiro. Diz a mesa.
— E eu que este ano fui pendurada
na porta dos fundos? Grita lá da porta a guirlanda.
— Eu já estou acostumado a passar
a noite de natal sozinho. Diz o Papai Noel pendurado na árvore. Não é, boneco
de neve?
— É, papai.
— Pois é. Eu sou pendurado desde
que o filho mais novo desta casa tinha apenas oito anos. Já aconteceu de tudo
aqui neste apartamento. Já presenciei festas alegres, festas em que só os donos
desta casa passaram aqui, brigas de casal, uma vez a árvore em que eu morava
foi chutada pela filha adolescente rebelde. Quase que ela me acertou. No outro
foi o pai da família que reclamava da crise financeira. Isso é porque você não
está acostumada. Relembra o Papai Noel.
Um brilho de luz invade a sala e
dele aparecem quatro árvores antigas.
— Quem são vocês? Pergunta a árvore triste.
— Nós somos as árvores que já
foram usadas nesta casa. Diz um pinheiro verde de plástico, de um metro, o que
foi usado por mais natais.
— E eu não fui usada apenas neste
apartamento. Passei metade da minha vida aqui e a outra no prédio em frente a
esse. Eu vi essa família e os dois filhos do casal que me comprou nascerem.
Apresenta-se um pequeno pinheiro de trinta centímetros e papel laminado branco.
— E eu fui a única árvore natural
da família. Morava na então pacata Ilha do Fundão e fui adotada pelo dono deste
apartamento. Só fui usada durante um ano. Depois me jogaram fora sem dó, nem
piedade.
— Não é verdade, galho. A dona
desta casa chorou muito quando te jogou fora. Foi uma bolinha quem me contou.
Corrige a árvore que ficou mais tempo.
— Estou com saudades de você. Diz
o Papai Noel pendurado.
— Eu também. Responde a árvore de
um metro, que foi montada em dezessete natais.
— Nós vimos lá do céu que você
está triste porque está passando o natal sozinha e sem presentes. Não fica
assim, não. Eu já passei por uma situação muito pior. Morei em Petrópolis na
casa da filha mais velha do casal. Ela brigou com um ex-namorado, encheu a cara
de álcool e vomitou em cima de mim. No ano seguinte, me trouxeram para cá. Diz a antecessora direta da árvore triste, um
pinheiro de plástico, de um metro e meio.
— Vocês são fantasmas? Posso ir
com vocês?
— Não somos fantasmas. Somos
espíritos de natal que incorporaram as árvores que foram usadas aqui.
— Eu não morri aqui. Fui doada
para a família da diarista desta família. No ano seguinte me jogaram fora na
lixeira da favela. Mas fiquei feliz por ter sido aproveitada por outra família
mais necessitada. Diz a árvore de Petrópolis.
— Infelizmente, você não pode ir
com a gente. Ainda tem que cumprir a sua missão nesta família. Esclarece o
pinheiro de um metro.
— Que missão? Ser abandonada por
mais uns vinte natais e depois jogada no lixo?
— Não uns vinte natais. Mas em dois
ou três, você vai passar sozinha. Em alguns, abrigará diversos presentes, mas
passará apenas com os donos da casa. Nos outros, nenhum. No entanto, verás
muita gente aqui.
— Duvido. Já ouvi os meus donos
dizerem que este será o meu último ano.
— Não é nada disso. É que a dona
desta casa está com setenta e dois anos. Ela tem medo de morrer nos próximos
meses. Já passou por muita coisa nesta vida e fica desanimada com o Natal. O
casamento dela como amor já acabou faz tempo. Só mora junto com o marido por
causa dos filhos. Este ano, você tem que agradecer por ser montada ao filho
mais novo dela, que adora Natal, mas também morre de medo de perder os pais e
de não gostar desta data. — Aliás, você tem que agradecer a ele não apenas por
este ano, mas simplesmente por ter sido comprada pela irmã, pois a mãe dele não
queria montar mais árvore nenhuma depois que eu fui doada para a faxineira da
família. Ah! E você é petropolitana como eu.
— E vem cá? Como você passou o
resto do dia 25 no ano passado? Pergunta
a árvore branca.
— Sozinha, também.
— E no ano retrasado?
— Bem... você tem razão. A minha
família passou aqui. E o rapaz me acendeu e me admirou por alguns minutos.
— Então. Ele é o único que parece
sentir pena de nós, árvores.
Na noite de natal você pode até
passar sozinha, mas no resto do dia, tem sempre alguém que passa com você. Que
te admira. Que te adora. Que acredita em você. Incentiva a
árvore de um metro. — Está certo que você vai ter um fim de natal meio
conturbado este ano, mas no próximo você será feliz e ainda homenageada por ele,
junto com a gente. Portanto, enxugue estas lágrimas, levante os seus galhos que
você ainda será muito feliz. Você está chorando assim porque ainda não teve a
sorte de ter uma noite de Natal acompanhada. Mas ainda terá muitos e recheada
de presentes. Feliz Natal.
— Feliz Natal. Dizem as outras
árvores, o anjo, o papai noel e o boneco de neve
A guirlanda grita lá dos fundos
os mesmos votos.
— Eu não tenho um peru, nem um
chester e nem maionese. Também não tenho como abrir o panetone. Mas posso te
oferecer umas nozes, castanhas e frutas. Deseja?
— Não, obrigada. Agradece a
árvore gigante que estava carente e que agora está feliz da vida.
— Olha, tenho um presente para
você. Não é embrulhado como os humanos usam, mas é colorido e muito especial.
O pinheiro de dois metros e meio
de altura, enfeitado por dezenas de bolas coloridas, laços, correntes
brilhantes e uma pequena trilha de luzes permanentes, fica ainda mais iluminado
com mais luzes piscantes que não tinha e bolas maiores e agora acesas.
— Obrigada por tudo. Agradece a
árvore emocionada, mas agora de alegria.
As outras árvores desaparecem.
Duas horas da manhã chegam os donos da casa. O rapaz de trinta anos a vê
piscando e pergunta para a mãe se ela comprou outro pisca-pisca e ela responde
que não. — Então, quem comprou?
O rapaz chora ao admirar a árvore
iluminada e parece sentir pena de deixá-la sozinha. Lembra de todas as árvores
que passaram pela sua casa em toda a sua vida. Meia hora depois, tira a tomada,
apaga a árvore e vai dormir.
Três dias depois ele e a mãe a
desmontam, antes do dia 6 de janeiro, pois a família irá viajar para Cabo Frio
e o rapaz quis poupar a árvore de mais um sentimento de solidão no reveillon.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou
o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a
coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo
Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo
cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é
bastante freqüentado por leitores
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