sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Sonho e ação

O filósofo norte-americano Will Durant afirma, em determinado trecho do seu livro “Filosofia da vida” – que não me canso de citar pelo tanto de verdade e sabedoria que contém – que “o homem começa com sonhos e chega ao fim com sonhos, e quando deixa de sonhar recai na animalidade primitiva”. Nós todos sonhamos, e o tempo todo, ora no período de oito horas de repouso noturno, ora acordados, mediante nossos desejos, alcançáveis ou não. A acreditar no filósofo (e não há motivos para não crer) sonhar é algo necessário, indispensável, inerente á nossa condição humana, por nos impedir de recair na “animalidade primitiva”.

Entre nossos tantos sonhos, lembrados ou esquecidos, um se destaca: o de um mundo ideal, sem dores, sofrimentos de quaisquer espécies, injustiças, violência, desigualdades e tantas outras coisas ruins que não raro envenenam nossa vida. Não há quem nunca não tenha idealizado uma sociedade em que tudo fosse perfeito e belo, em que o medo, o egoísmo e a maldade não existissem. As diferenças (além das ditadas pela imaginação de cada um) estão na forma com que as pessoas lidam com esses sonhos.

Muitos – infelizmente a maioria – se limitam a sonhar, sem nada fazer para tornar o que sonharam concreto. Alguns, no entanto, embora cientes da impossibilidade de concretizar “tudo” o que sonham, ainda assim tentam. E não apenas uma vez ou outra, fortuita ou ocasionalmente, mas a vida toda. É verdade que não conseguem êxito completo em suas tentativas, nessa empreitada que é sobre-humana e excede as forças do mais forte dos fortes. Todavia, com a mera tentativa, conseguem tornar o mundo pelo menos um pouquinho melhor, o que não deixa (convenhamos) de ser importante ganho. E não apenas individual, para os que tentam, mas, sobretudo, coletivo, para toda a humanidade. É a estes que gosto de chamar (por de fato serem) de “gigantes da espécie”. Sua dimensão avantajada está não propriamente no físico, mas na capacidade de persistir face todo e qualquer obstáculo.

Quanto ao comportamento da maioria, que sonha sim (e muito), mas que se limita apenas a sonhar, Aldous Huxley lembra que essas pessoas bem que gostariam de também agir, mas não o fazem ou por medo, ou por indolência, ou por ignorância, ou por timidez, quando não por tudo isso simultaneamente. Escreve, em um de seus livros (não me recordo qual): “A maioria dos homens e mulheres leva uma vida tão sofredora em seus pontos baixos e tão monótona em suas eminências, tão pobre e limitada, que os desejos de fuga, os anseios para superar-se, ainda que por uns breves momentos, estão e têm estado sempre entre os principais apetites da alma”. Ou seja, estas pessoas “têm fome”, mas, estranhamente, “se deixam morrer de inanição”. Querem agir, mas não sabem como. Algumas até agem, mas apenas por certo tempo. Deixam de fazer-lo diante do primeiro obstáculo que encontram no caminho. Falta-lhes a virtude da persistência (entre tantas outras).

Basicamente, todos nós, sem exceção, temos uma série de defeitos e de fragilidades comuns à nossa espécie. A diferença está no fato de que alguns conseguem corrigir os primeiros e superar os segundos (ou pelo menos tentam fazê-lo), enquanto outros tantos mantêm as coisas como são e sempre foram, achando que sejam normais ou incorrigíveis. Relutamos em cumprir a “primeira lei da natureza”, ou seja, conforme constatou Voltaire, o ato de perdoar, nos outros, as mesmas fraquezas e vulnerabilidades que temos. A maioria não age assim. É sumamente severa e crítica com as falhas alheias, mas complacente com as próprias.

Convivemos o tempo todo com o medo que, quando moderado, é benigno mecanismo de alerta com que a natureza nos dotou, para nos avisar de perigos que podem colocar em risco nossa integridade e nossas vidas, mas, quando exacerbado, se torna implacável agente de destruição. Pudera! Estamos em um mundo essencialmente incompreensível, envolto em infinitos mistérios, sem sabermos, de fato, quem somos, por que estamos aqui, para onde iremos (se é que iremos para algum lugar) após a morte, etc.etc.etc. São questões que, mesmo que inconscientemente, nos inquietam e apavoram.

O escritor sul-africano Stuart Cloete aborda essa questão no seu excelente romance “Balada africana”, ao colocar estas reflexões na boca de um dos seus personagens: “Nós temos medo da vida; temos medo da morte. Procuramos apenas conforto, coisa que nada mais é do que uma almofada entre o homem e a realidade. Não temos crenças. Tanto Deus, como o diabo, são agora considerados mitos. Com eles, lá se foi até a idéia do bem e do mal. Vivendo em cidades de aço e concreto, comendo alimentos industrializados, nós tentamos erguer-nos acima da natureza, e passamos a considerar-nos, de certo modo, superiores às leis que governam a vida. Um homem não é mais vivo, nem menos vivo, do que um gerânio no seu vaso, sobre o peitoril da janela; ou do que um elefante, nas florestas da África”.

Diante de tudo isso, até para racionalizar o medo e torná-lo um pouquinho mais remoto e menos onipresente na vida, é que recorremos aos sonhos. Mas com as diferenças de atitude, em relação a eles, que citei no início destas reflexões. Ou seja, uns conservam-nos para sempre no mero terreno da fantasia e da imaginação. Já os “gigantes da espécie” agem na tentativa, talvez vã, de construírem um mundo melhor. E você, precioso leitor, como age nessa questão? Ou sequer age?

Boa leitura.


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