quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sonho do poeta

Os poetas são seres excepcionais. Está certo, admito, são pessoas como outras quaisquer. Têm virtudes e defeitos, ideais e vícios, erros e acertos, são lógicos e contraditórios e vai por aí afora, dependendo de cada indivíduo e das circunstâncias. Mas... admitamos, têm algo a mais que aqueles que não contam com esse talento não têm. Contam com uma capacidade de entender sentimentos (próprios e alheios), de enxergar “a alma” e de vislumbrar beleza onde a maioria não a vê. Não me refiro, aqui, apenas aos que escrevem versos, pois qualquer adolescente apaixonado o faz, mesmo sem ser propriamente poeta. Meu foco são os que têm “alma poética”, mesmo que jamais tenham composto um único poema. Não sei se consegui me fazer entender. Temo que não. Não faz mal.

O próprio “pai” da Psicanálise, Sigmund Freud, tinha respeito quase sagrado por este tipo de pessoa. É célebre esta declaração do sisudo cientista a propósito: “Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele, antes de mim”. Viram? Estou em ótima companhia. Cito, para reforçar minha informação, outra declaração de Freud, em que ele afirma: “Os poetas e os romancistas são aliados preciosos e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à ciência”. E como bebem!

 Bem, sou um tanto suspeito neste assunto, porquanto, embora o menor entre os menores, também sou poeta. Ainda não consegui saber se isso é bênção ou maldição, se privilégio ou castigo. Por isso, boa parte das minhas idéias é, digamos, “exótica”, ou polêmica, para dizer o mínimo. E juro que não estou fazendo gênero. Penso, realmente, o que escrevo. Há quem concorde com minhas colocações, até instintivamente. A maioria, as ignora. E tenho, óbvio, ferozes adversários, com os graus mais variáveis possíveis de ferocidade. Deixa pra lá!!!

Tempos atrás, se não me falha a memória em 1992, convidado a redigir o texto de contracapa do livro da poetisa Odette Teresinha Santucci Octaviano, “Recolhendo Versos”  (Editora OLPC Publicações), escrevi o seguinte: “Que bom seria se a riqueza que tanto a humanidade procura, abrindo mão da felicidade; se os bens que tanta controvérsia geram e cuja posse é sempre transitória, dada a mortalidade humana, fossem substituídos pela colheita dos versos que Odette Octaviano tão bem soube semear nas trilhas do tempo! Como a vida seria melhor, os sentimentos mais nobres e as emoções mais sinceras se, ao invés de dar ouvidos aos políticos, aos economistas, aos generais e aos sociólogos, as pessoas se voltassem para os poetas, entregando em suas mãos os seus destinos!”

Houve quem concordasse com minhas palavras, embora as considerassem utópicas (que de fato são). A maioria, como soe acontecer em relação a tudo o que escrevemos, simplesmente ignorou o que escrevi, na base do “não li e não gostei”. E houve, por fim, quem, compreendendo ou não o teor do texto, se opusesse não somente ao seu conteúdo, mas, principalmente, ao redator. “Nada de novo no front”, portanto. Duvido, porém, que o mundo fosse pior do que é se fosse administrado por poetas, mas sem que eles assumissem a condição de administradores, ou seja, de políticos, economistas, generais, sociólogos etc. e governassem com o “coração”, sem buscar racionalizar nenhuma questão.

Relendo hoje, por puro acaso, o livro “Cadeira de balanço” de Carlos Drummond de Andrade (Livraria José Olympio Editora – Rio de Janeiro – 1972),  topei, na página 52, com a crônica “Organiza o Natal”, que começa da seguinte forma (e que prometo tratar oportunamente em considerações mais específicas): “Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom”.

Após a leitura, minha convicção, a propósito da excepcionalidade dos poetas, que nunca questionei, se consolidou. E tornou-se mais sólida ainda ao ler o parágrafo seguinte, em que Drummond justifica o sonho de um Natal perpétuo: “Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo”.

Estou mais convicto do que nunca que a salvação da humanidade, com a verdadeira “humanização do homem”, está nesta simples (posto que utópica, já que os homens adoram complicar as coisas simples) providência: entregar o comando do Planeta aos poetas. E encerro, por hoje, esta insólita reflexão da mesma forma que Drummond encerrou sua magnífica crônica: “Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade”. “E como seria”, aduzo, sem pestanejar.

Boa leitura.


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