Vazio da vida acadêmica
* Por Ângelo Monteiro
O ambiente universitário oferece, por vezes, um espetáculo não muito
sedutor para os inquietos de espírito quando, fechado num mundo de formas
protocolares do dizer e do fazer de uma casta à parte, vê o mundo apenas
através do disfarce das lunetas acadêmicas, concebendo o conhecimento mais como
um meio de obter status que de alcançar o difícil troféu da sabedoria.
Certas posturas e inflexões, certa forma de dizer não dizendo, a
constante cautela com qualquer ponto de vista que possa soar polêmico ou
politicamente incorreto: tudo isso termina concorrendo para que os nossos
mestres se tornem mais impermeáveis a todo tipo de ação criadora.
Se jamais acreditei que a Igreja, a Sinagoga e a Mesquita tenham mais do
que dar às nossas almas que o próprio Deus, muito menos me julgo obrigado a
crer que qualquer instituição universitária, por melhor que seja, venha a
conceder mais ao estudioso do que o estudo nas próprias fontes. Por isso não
consigo ver a universidade como um ambiente sagrado – como até alguns jovens de
sisuda inteligência o conseguem – em que a voz de um Ph.D. repercutisse em meus
ouvidos como a de um papa.
O que acontece, na maioria das vezes, é justamente o contrário: como
quando eu me vi submetido a um processo de avaliação docente, em que perdi pontos
porque entreguei a meus examinadores um livro então publicado em lugar de um
suposto material didático, (quando bastava, segundo eles, uma cópia em xerox do
original), – como se um livro de filosofia da arte não fosse um material
didático – e porque não tinha participado, nos dois últimos anos, de nenhuma
banca examinadora, como se isso dependesse de mim, e como se o ato de avaliar e
ser avaliado fosse superior ao de pensar, ensinar, escrever e publicar livros…
Daí o vazio da chamada vida acadêmica, onde o que menos conta é o
conhecimento em si mesmo, e onde o magistério detém menos importância do que a
atividade administrativa, e o que mais sobra, além das discussões teóricas
sobre gêneros e manifestações periféricas, e das reuniões intermináveis, é a luta
por cargos e consultorias.
Péssima como esposa ou como amante, protocolar e rígida, a universidade
hoje só costuma despertar o entusiasmo de espíritos rotineiros e subalternos.
Dela só me resta hoje, além da ligação pessoal com algumas figuras independentes,
a afável lembrança dos alunos que ainda me convidam, como recentemente, para
paraninfo de suas turmas. Um sinal de que, também, não foi má a lembrança que
lhes deixei…
* Ângelo Monteiro é ensaísta
Nenhum comentário:
Postar um comentário