quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Meu pai é demais

* Por Gustavo do Carmo

Meu pai é demais. Ele sempre esteve presente na minha vida. Sua dedicação começou na maternidade, quando a minha mãe deu entrada para eu nascer. Ele não largava dela e só soltou a sua mão quando ela entrou na sala de parto. Aí ficou esperando ansioso na recepção. Foi o único momento em que ficou ausente.

No dia que em eu saí da maternidade, foi meu pai quem me levou no colo. Foi ele quem trocou a minha primeira fralda, ele quem fez e me deu a minha primeira papinha. A minha mãe estava cansada. No dia seguinte (era feriado de 7 de setembro quando fui pra casa) comprou o meu primeiro carrinho de bebê.

Por falar em carrinho, ganhei muitos de brinquedo do meu pai. Alguns por merecimento, outros por puro mimo. Ele me levava para jogar bola todos os domingos e nunca reclamava. Me levou várias vezes ao Maracanã. Fui pela primeira vez ao estádio aos 9 anos, mas só em jogos do Botafogo, clube para o qual nós torcemos. Aliás, eu também torço para o Flamengo. Na verdade, eu torço para o Flamengo mas também para o Botafogo, só para torcer junto com o meu pai.

Todas as vezes em que eu fui ao Maracanã, fui somente com o meu pai, que também já me levou, só nós dois, uma vez ao Salão do Automóvel de São Paulo. Eu amo carros.

Além da família que ele construiu, só deu atenção à minha avó, mãe dele, e à minha tia mais nova, mas desta ele se afastou por uns tempos depois que ela casou e ficou viúva. A minha tia mais velha só visitava por consideração e gratidão. Já da irmã do meio, que junto com o marido, são meus padrinhos de batismo, ele se afastou assim que se casou com a minha mãe. Quanto aos primos, ele os odiava. Achava-os falsos e interesseiros. Com exceção de dois.

Voltando à minha vida: ele sempre me apoiou nos meus sonhos e minhas ideologias. Fiz o ensino médio convencional e ele aceitou, embora desejasse que eu fizesse curso técnico. Cursei jornalismo, embora ele preferisse que eu fosse engenheiro. Fiz uma pós-graduação em Telejornalismo, mas ele reclamou que eu tinha que fazer algo ligado à educação. Depois fiz uma pós em gestão da cultura com curso de docência, mas abandonei.

Meu pai não queria muito que eu prestasse concurso público. Achava que isso é um esquema e nunca me cobrou. Nem mesmo para economizar na luz, no telefone, internet e TV a cabo.

Meu pai trabalhou numa empresa de ônibus. Foi bilheteiro, assistente administrativo e chegou a gerente, mas foi rebaixado a subgerente porque deixou de atender a um acidente porque eu estava internado com bronquite. Depois ele mesmo pediu para voltar a ser assistente administrativo, pois o cargo o impedia que ele se dedicasse aos filhos e à família.

Pediu demissão para abrir uma livraria em Botafogo, pois é um negócio que ele entende e sabe que eu vou cuidar com prazer depois que ele morrer.

Mesmo com o salário baixo e o bom lucro da livraria, economizou bastante dinheiro para comprar um apartamento na Barra da Tijuca, pois era mais barato que na zona sul, nosso sonho de consumo. A decoração ficou por conta da minha mãe, que contratou um decorador.

A minha mãe também sempre me apoiou na vida. E com o meu pai formava um casal perfeito. Sempre foram apaixonados um pelo outro. Ele nunca a traiu, eles nunca brigaram na nossa frente e dormiram juntos na cama de casal por toda a minha vida. Mesmo mimado pelos dois, amadureci rápido, pois também souberam educar, principalmente o meu pai. Graças ao seu apoio, à sua presença.

Infelizmente, perdemos tudo. A livraria faliu e o apartamento da Barra precisou ser vendido. A aposentadoria do meu pai era muito pouca para sustentá-lo. Da minha mãe também. A sorte é que eu e minha irmã nos arrumamos na vida.

Minha irmã é engenheira química bem-sucedida e eu sou roteirista de televisão. Comprei outro apartamento na Barra, maior do que o que a gente tinha. Meu pai veio morar comigo, minha esposa e minhas duas filhas e minha mãe foi morar com a minha irmã e o meu cunhado.

Meu pai sempre colocou a família em primeiro lugar, mas não deixou nenhum patrimônio.

Minha vida seria assim se tudo o que eu contei até agora fosse verdade. Mas é boa parte ficção, uma pequena parcela verdade e outro terço o contrário do que aconteceu. A minha mãe foi sozinha para a maternidade porque o meu pai só dava atenção aos amigos, parece que não queria muito que eu nascesse. Fui gerado por um casamento em crise e desde quando eu tinha dez anos, meus pais dormem em quartos separados.

A frase do curto parágrafo anterior é a desculpa que ele sempre usa para justificar a sua prioridade aos negócios, aos investimentos, aos primos e à amante que teve. O que ele me deu foi por culpa. Se tivesse priorizado a esposa e seus filhos, teríamos poucos bens, mas eu teria crescido mais feliz. 

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores


Um comentário:

  1. Uma boa lição para quem acha que ajuntar coisas é o mais importante. Gostei da parte das preferências futebolísticas. No exemplo dado, o personagem foi muito mais filho do que seu pai, afinal, foi pai.

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