Culpado de tudo
* Por
Gustavo do Carmo
Após uma espera de
trinta anos, Cláudio conseguiu namorar Janete. Esta, uma jovem de corpo
sedutor, seios e ancas grandes, pele branca e simpática. Apresentou-lhe a sua
família: mãe, pai, irmã e cunhado. Cometeu um erro.
Janete se entrosou
muito bem com o seu cunhado. Cláudio ficou sem jeito de impor um limite na
namorada. Não queria criar um escândalo de ciúmes. Ele confiava nela. E também
no cunhado. Só que sua irmã lhe cobrou uma atitude. Dois meses depois, Janete terminou o namoro e
desapareceu.
Amanda, irmã de
Cláudio, não perdoou o irmão. Ele foi o culpado por levar para a família aquele
demônio que roubou o seu marido, que lhe pediu o divórcio para se casar com
Janete. Ao fazer um escândalo para humilhar o irmão, sua mãe teve um AVC fulminante.
Cláudio foi o culpado, também.
Um ano depois, o
armazém do pai de Cláudio e Amanda quebrou. E esta novamente culpou o irmão pela
falência do pai. Cláudio nunca quis trabalhar na loja, pois era muito longe de
casa e não se dava bem com os funcionários. O pai ficou doente, impossibilitado
de trabalhar, perdeu funcionários e fechou a loja. E como Cláudio não queria
administrá-la, o negócio faliu.
A partir de então,
Cláudio admitiu a sua culpa pela destruição de sua família. Passou a se culpar,
também, pela sua frustração profissional. Um dia, lembrou que tinha atrapalhado
a carreira de um ex-colega de faculdade ao negar-lhe a inclusão em um grupo de
trabalho, mesmo ele estando com a razão, pois o rapaz não fez nada no trabalho.
Cláudio e uma amiga fizeram tudo sozinhos.
Culpou-se por ter sido
tão grosso com essa mesma ex-amiga, que lhe indicou para uma vaga de emprego
que não existia. Na verdade, a vaga podia ter até existido, mas ele preferiu
viajar (para realizar um sonho de infância). Culpou-se por ter ido viajar.
“E se eu tivesse sido
mais social com os meu colegas? Se eu tivesse ido aos churrascos que eles
organizavam? Eu seria desprezado por eles?”, pensou arrependido. Cláudio se
sentiu culpado pelo abandono por parte de seus amigos.
Da infância veio a
lembrança por ter deixado cair no chão um priminho que segurava no colo. O
garotinho ficou com sequelas cerebrais depois do acidente. E Cláudio se achou o
culpado. Anos depois negou ajuda a um homem recém-assaltado. Não fez por mal.
Teve medo de ser golpe, mas se sentiu culpado por não ter ajudado.
Culpou-se pela briga de
um casal que andava na sua frente. Pelo sorvete caído de uma criança no parque.
Pela reprovação dos seus colegas de auto-escola. Pela derrota do seu time na
pelada.
Cláudio também passou a
se culpar por todos os males do mundo. Pela
miséria mundial. Pela violência no Oriente Médio. Pela insegurança pública do
país. Os crimes da cidade. Foi à delegacia para se confessar culpado de um
crime passional. Chegou a sua vez na fila da queixa, mas não chegou ao ponto de
se confessar. Foi embora.
Só chegou ao ponto de
se jogar do terraço de um prédio comercial. Sentiu-se culpado por sobreviver à
queda e ter matado um obeso com o seu impacto. Aí sim, ele foi culpado mesmo.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor
de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São
Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora
Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu
blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com
é bastante freqüentado por leitores
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