Sexo asséptico
* Por
Marcelo Sguassábia
- Paiê!
- Chora, pequeno carrasco. Que é que foi dessa vez?
- Eu tô sabendo de tudo, o Rafa me contou e ainda me mostrou fotos. O
jeito que eu nasci, que você nasceu, o jeito que todo mundo nasce. Eu sei que
foi você, papai, que colocou aquele seu negócio de fazer xixi naquele outro
negócio da mamãe, que é pra fazer xixi também. Achei essa história muito porca.
- Ahnn??
- Devia ser tudo online, o procedimento seria mais limpo, sem contato
manual nem genital. Tudo começaria numa rede de relacionamentos, passaria pra
uma conversa inbox, depois rolaria um clima numa área de acesso restrito e
protegida por senha e aí os pixels do homem se misturariam com os bytes da
mulher. Nove sessões de Windows depois, o menino estaria pronto.
- Esse seu senso prático realmente me espanta, garoto. Veja bem...
- Sem ter que ficar gemendo, fazendo caras e bocas, suando um em cima do
outro. Eca!! Arghhhh! Sinceramente, pai, quando me disseram que o processo era
desse jeito eu custei pra assimilar a ideia. Achei a coisa toda muito suja, o
ritual é nojento. Um órgão excretor dentro de outro órgão excretor, tem algo
muito errado nisso. Ah, tem.
- Ai, ai, ai, você diz isso porque mal está entrando na puberdade. Deixa
os hormônios começarem a explodir nessa sua carinha lisa e depois a gente volta
a conversar.
- Uma outra coisa que eu não consigo entender é que, geralmente, tudo
começa dentro da tela, certo? O encontro entre duas pessoas de sexo oposto, no
caso. Depois elas vêm pro mundo aqui fora, se conhecem pessoalmente, namoram,
se casam e não demora muito para que de novo passem a ficar dia e noite com a
cara enfiada no computador. Dá pra me explicar o sentido disso? Por que saíram
de lá, então? Por que não deixam tudo virtual logo de uma vez?
- Filho, a atração entre os sexos é que garante a preservação da
espécie. Olha só: a pessoa estuda, trabalha, junta algum dinheiro e depois o
que faz? Arruma uma cara metade e começa a fazer nenê. É assim sempre, sem
distinção de cor, credo ou classe social. Imagina um sujeito milionário, por
exemplo. Ele compra uma mansão, um iate, uma Ferrari... e no fundo pra quê? Pra
enfiar uma mulher dentro da Ferrari, mostrar a casa linda dele pra ela,
arrastar a moça pro quarto, no quarto rolar pra cama e aí então fazer aquilo. O
mundo gira em torno daquilo, menino. É a sonhada consequência de todos os
esforços.
- Ok, mas depois que se emporcalham com aquilo, o que é que os dois
fazem? Dão uma descansada, limpam os pentelhos e secreções alheias que grudaram
em seus corpos e voltam, rapidinho, para os seus tablets e notebooks - loucos
pra verem o que é que tem de novo, o que é que aconteceu enquanto perdiam tempo
fazendo uma coisa sem nenhum sentido prático.
- Eu não acredito no que estou escutando. Se bem que, como pai, é até um
alívio que você pense assim. Continue nessa, filhão. Papai dá o maior apoio.
- Me diz, pai, é tão irresistível assim a vontade de fazer filho?
- Não, não. Na maioria das vezes, filho é o que o casal menos quer.
- Então porque prosseguem com os movimentos ritmados de vai e vem?
- Porque é gostoso.
- Espera aí, tem alguma coisa que não tá encaixando. É gostoso fazer uma
coisa que eles querem evitar?
- Eles evitam o filho, não o ato.
- Mas o ato não é pra ter filho???
* Marcelo Sguassábia é
redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Para quem curte o sexo virtual, esses acréscimos, caso sejam postos em prática, poderão tornar a virtualidade acessório, e a genitalidade essencial.
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