segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A mulher que brochou os Hell’s Angels

* Por Raul Longo

Há poucos dias citei Freud explicando, em “A Dissolução do complexo de Édipo”, que a menina aceita a castração como fato consumado, enquanto que o menino teme sua ocorrência. Talvez por aí se explique a barbárie do estupro.

Quem é o estuprador se não alguém sem convicção da própria masculinidade? Precisando provar para si mesmo ser dotado de algo que possa ser introduzido, descarta as demais particularidades estimuladoras da libido acionada pelo comportamento típico aos interesses sexuais de ambos os gêneros: a sedução.

Alguns estupradores até se comportam sedutoramente, mas apenas para atrair suas vítimas a uma situação que permita o violentar, expressão própria de quem não confia na própria capacidade de manutenção da masculinidade.

Esse comportamento não é exclusivo dos estupradores convencionais e se pode considerar que maus políticos também sejam estupradores que seduzem seus eleitores para depois extorquir o erário público. O fazem tão premeditada e violentamente quanto um estuprador. Apenas conseguiram desviar a libido para a posse de verbas públicas, ao invés do sexo, querem possuir as finanças. Mas dá no mesmo.

Isso sem considerar os golpistas, estupradores no sentido mais clássico do gênero: tão convictos de serem castrados que vão na marra mesmo. Como o Jair Bolsonaro, por exemplo, que anda convocando o que já chama de “Operação 7 de Setembro” para estupro coletivo da democracia brasileira.

Na mente doentia do estuprador sedutor, se a vítima cedeu à sedução ao ponto de o acompanhar onde impossível a interferência de terceiros, está garantido seu direito de violentá-la. O político com caráter de estuprador se comporta da mesma forma quando seduz seus eleitores a ponto de elegê-lo ao cargo que considera lhe dar o direito de violentar bens e finanças públicas, mas o sem nenhum caráter anda em bando ou os convoca. E agora isso virou onda pelas redes sociais transformadas em chamados às hordas bárbaras.

Dessa forma justificam e compensam seus complexos de impotência e a incapacidade de realização de algo agradável, prazeroso, útil, satisfatório àqueles que seduzem. Derruídos pela eterna incerteza do momento em que, enfim, serão castrados por suas insuficiências psicológicas. Daí a homofobia do Bolsonaro, resultante de sua pouca autoconvicção sexual.

Pode ser apenas teoria de um pseudo analista, mas explica não só as hordas bolsonárias que ameaçam a cidadania, como também o admirável poder e a força de algumas de minhas amigas. Naquela primeira oportunidade contei da psicóloga que castrou a prepotência da classe médica brasileira, popularmente conhecida como a Máfia de Branco, mas se minha amiga Guida Losso teve a cara de castrar o corporativismo mafioso, a Regina Brasil não deixou por menos e brochou os Hell’s Angels, horda bolsonária internacional, considerada como o sindicato do crime sobre duas rodas.

Muito temidos em todo o mundo, sobretudo nos Estados Unidos e no Canadá, a fama dos Hell’s Angels também é vincada por modalidades criminosas: tráfico de drogas, violência gratuita e prática de estupros.

Por onde passam os Angels distribuem pancadaria pra todo lado, inclusive nas mulheres que violentam em todos os sentidos. Em dezembro de 1969, durante o Concerto de Altamont na Califórnia, mandaram ao hospital com traumatismo crânio a uma jovem grávida. Não especificamente isso, mas os bolsonários prometem coisa semelhante para o próximo 7 de setembro e para a segurança de seus fetos é recomendável que gravidas não cogitem comemorar o aniversário da independência.

Essa não será a primeira violência promovida pelo Bolsonaro que verbalmente já agrediu até a Preta Gil, e tampouco foi a única da horda dos Hell’s Angels. Naquele mesmo evento realizado pelo grupo inglês Rolling Stones que, entusiasmados pelo sucesso do Festival de Woodstock, quatro meses após promoveram novo concerto de rock e fizeram a besteira de contratar os Hell’s Angels como seguranças. O saldo foi mais drástico do que o traumatismo da grávida: além de centenas de espectadores feridos, quatro assassinatos com requintes de crueldades e por motivos fúteis, como o do jovem negro estrangulado por mero racismo e outro afogado em uma poça de água, além de um dos organizadores do show que esfaquearam até a morte.

Já antes da debandada do público o espetáculo foi suspenso porque os músicos recusaram se apresentar com medo de seus seguranças, depois que um integrante do grupo Jefferson Airplane foi atacado no palco por um Hell’s Angels. O que serve de sobreaviso inclusive aos eleitores do deputado que, pelo face book de sua ONG: Brazil no Corrupt, promete que o pau vai comer.

Segundo um amigo homossexual, isso de “pau comer” é vontade enrustida de dar, mas no caso do caso do Concerto de Altamont o FBI revelou ter descoberto um plano de vingança dos Angels que pretendiam matar Mike Jagger na casa de veraneio dos Rolling Stones nos Estados Unidos, à beira mar. Os agentes do FBI nem se meteram no assunto dos cabeludos, mas, interioranos, os Angels acabaram virando o barco no qual se aproximavam da casa dos Stones pelo mar. E assim se safou da morte um dos maiores ídolos sexuais masculinos do rock internacional, enquanto os bolsonários ianques tomaram um banho involuntário.

Aqui na Ilha de Santa Catarina nem precisamos do mar porque antes de atravessar o canal que nos separa do continente, os Angels já foram barrados pela Regina Brasil que mora bem ali na cabeceira da ponte. Mais exatamente na Rua Fúlvio Aducci, nas margens do bairro continental do Estreito.

Na madrugada do dia 19 de abril de 2012, uma quinta-feira, minha amiga estranhou uns roncos em frente à sua casa. Afastou a cortina e deu uma talibaga (olhadela, no vocabulário mané) e não gostou do que viu: uma patrola invadia o terreno do outro lado da rua. Como depois declarou para uma jornalista:

“- ... um pequeno pulmão para o nosso bairro. Aqui tem árvores nativas, como jerivá, papata, gabiroba e pitanga que alimentam os pássaros. Acordo com o canto deles todos os dias. É lindo!”

Para melhor explicar a bronca da amiga com a substituição do chilrear de canários, bem-te-vis, tiés, cardeais, jaçanãs, baitacas, sabiás, caturritas, tico-ticos e outros vespertinos representantes da fauna aviária nativa e também migratória como a juriti; pelo rugido de uma escavadeira da Prefeitura Municipal de Florianópolis, antes é preciso contar que bem em frente a sua casa e ao lado do bosque que mencionou à repórter, instalou-se uma loja da Harley Davidson.

As motocicletas Harley Davidson, além da violência e do estupro, é outra marca registrada dos Hell’s Angels. Quem avistar um amontoado de motocicletas Harley Davidson pode passar ao largo porque tem um bando de arruaceiro no pedaço, a menos que seja uma revenda da marca. Nas maluquices das jogadas de marketing, vai se saber se bad boys como Bolsonaro não são meros garotos propaganda! Pelo sim, pelo não, os Angels se tornaram internacionalmente conhecidos como vetustos adolescentes mal resolvidos e onde tem revenda ou concessionária Harley Davidson, tem Hell’s Angels por perto.

Evidente que entre os muitos complexos de castração da classe média colonizada do Brasil, além de bolsonários também não poderia faltar a imitação dos Hell’s Angels. Em 2006, sobre suas indefectíveis Harley Davidson, um magote deles acabou com um evento realizado no autódromo de Interlagos, promovendo pânico entre espectadores e expositores. Voaram copos, garrafas e cadeiras, além de utilizarem facas, canivetes e revólveres.

Portanto nem aqui no Brasil se está livre desses sujeitos, mas naquela manhã, pelo menos para Florianópolis minha amiga Regina Brasil deu um jeito.

Quem a conhece sabe como é: alta, bonita, forte, de um sorriso enorme e abraço que, como diz uma sua aluna, “acalenta a alma”. Regina é um abrigo, mas não mexam com seus brios de Manezinha Tripeira, como ela mesma me ensinou serem chamados os do continente pelos ilhéus, em resposta ao epíteto depreciativo de “Manézinhos da Ilha”, aproveitando a existência de um matadouro pertinho da casa da Regina e já há muito demolido.

Tudo isso é coisa de antanho e claro que Regina, sensível professora de literatura adorada por seus alunos que a chamam de Super Regi, não mantenha nada de velhas indisposições provincianas; no entanto que se não revolva suas tripas porque dá em tempestade que foi trovejar do outro lado da rua.

Elegante e acostumada a expor aos vestibulandos as sutis e poéticas analogias compreendidas nas estrelinhas das frases dos grandes escritores (que muitas vezes desconfio que nem mesmo eles desconfiavam do que Regina lhes é capaz de descobrir), pacientemente minha amiga expôs ao tratorista o que mais tarde explicou à repórter:

- ... (aqui) Há conchas, ostras e até restos orgânicos de humanos ou animais que deveria servir para conhecermos nossa história”

Em outro trecho a jornalista Roberta Kremer (respeitem: não é Kramer, não! Não tem nada a ver com a Dora!) se incumbiu de completar as informações da professora; “No terreno não há placa informando se tratar de um sítio arqueológico identificado em 2003, e onde há vestígios de ocupação de 3 mil anos, além de povos dos século 18 e 19”.

Apenas cumpridor de ordens, só o que o maquinista pode fazer foi comunicar à prefeitura que havia uma mulher na frente da patrola, decidida a não deixá-lo fazer o serviço. O então prefeito Dário Berger não foi besta de se meter e passou a bomba pro Secretário de Obras que atendendo à solicitação ou negociação com a loja da Harley Davidson, havia autorizado a “limpeza” do terreno para aumentar o pátio de exposição dos brinquedinhos dos Hell’s Angels.

A declaração de Deglaber Goulart à mesma repórter foi drástica: “- Uma pessoa não pode impedir que se faça a limpeza do terreno. Ela não manda na prefeitura”.

Manda sim! Como é que não manda? Afinal quem elegeu o prefeito que o indicou como secretário, se não os cidadãos? Quem o elegeu como vereador, se não os cidadãos?

Como cidadã e professora, Regina Brasil deu uma lição no secretariozinho, conforme publicado lá no jornal da Roberta Kremer “- O que falta é um pouco de respeito com o outro. Se a gente soubesse que o outro é um ser interessante e deve ser respeitado, tudo seria melhor. Respeitar o bem público! Isso é cidadania.”

E é aí que a amiga confirma minha teoria do complexo de castração, já que concordo com a penalidade de crime hediondo para a corrupção por considerá-la estimulada pelos mesmos motivos que levam à prática do estupro: o complexo de castração. O estuprador sexual é movido pela certeza de que em algum momento perderá sua condição de se apoderar o que por natureza pertence a quem violenta, da mesma forma que o estuprador político se move pela certeza de que em algum momento perderá sua bolsonara condição de se apoderar do que por direito pertence ao eleitor, conforme intenciona a tal “Operação 7 de Setembro”.

Em ambos os casos o estupro ocorre pela incapacidade de relações consensuais, de compartilhar evoluções da confiança conquistada. Descrente da própria masculinidade a síndrome psicótica do complexo de castração se manifesta pela usurpação, seja na imposição pela supremacia da força física ou por sorrateira posse do alheio confiado às inexistentes responsabilidades políticas que, como no caso do Deglaber ou do ex-prefeito Dário Berger, sequer alcançam à cidadania, conforme demonstrado na lição da professora Regina Brasil.

Mas, segundo me relatou, o que mais a revoltou não foi nem o cagaço dos Hell’s Angels com os roncos de suas motocicletas intimidados pelo rugir da “Heroína”, como a consideraram seus vizinhos segundo o relato da repórter. O que deixou Regina indignada mesmo foi a gerente da Harley Davidson dizer que precisava arrumar um tanque de roupa para lavar. “- Pode?” – reclamou – “Isso é depor contra nossa própria classe!”

É... Nesse caso a gerente da Harley Davidson contradisse Freud e demonstrou que algumas mulheres também sofrem de complexo de castração. Sem dúvida! E é até capaz do Bolsonaro também ter eleitoras. O que faz lembrar um filme da italiana Liliana Cavani: “O Porteiro da Noite”, onde uma prisioneira judia se envolve numa paixão doentia por seu carcereiro e estuprador nazi.

Livre e forte como é, Regina Brasil não se deixou intimidar por ninguém. Veio polícia, veio político, e ela ali na frente da escavadeira na base do “Só passa se for por cima de mim”. Ameaçaram prender e ela confidenciou que pensou mesmo que teria de dormir na cadeia. Mas não arredou pé.

Até as rádios falaram da mulher maluca que parou a patrola e o trabalho da prefeitura, e a coragem da amiga virou assunto nacional até que lá pelo final do dia estacionou um carro preto e uns caras de polícia se aproximaram de Regina que já os recebeu de dedo, dizendo que dali não sairia. Mas esses se identificaram como Federais e explicaram que estavam ali para protegê-la.

Pois na última vez que nos encontramos Regina contou que neste agosto seria julgada a afronta dos Hell’s Angels mancomunados com o ex-prefeito Dário Berger, contra o patrimônio público florianopolitano. Com não a encontrei mais, espero que por esta crônica a faça me telefonar para contar o resultado do julgamento.

Se houver uma Regina Brasil em cada cidade onde a turma do Bolsonaro promete aprontar arruaça no próximo dia da independência, a tal da “Operação 7 de Setembro” vai pro vinagre.


* Poeta, jornalista e escritor.

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