quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Homens trabalhando... Mal

* Por Fernando Yanmar Narciso

No Brasil, creio que nunca tenham aparecido aqueles famosos desenhos circulares em plantações, que os conspiratórios costumam atribuir à presença alienígena no planeta, mas por aqui há outros tipos de “obras de arte” que fariam até os ETs coçarem as anteninhas. No início do canteiro da Rua Guajajaras em Belo Horizonte, descendo rumo à Avenida Augusto Lima, há uma das construções mais pitorescas da história. Não que seja feia, ela só parece ter sido esquecida ali justamente por extraterrestres.

Falo de um conjunto de chapas de metal retorcidas e irregulares, simplesmente instaladas no meio da travessia. Qual o propósito daquilo ali? Talvez o monólito de 2001: Uma Odisseia no Espaço saiba a resposta. Toda vez que passávamos na frente daquela coisa, meu pai não conseguia resistir a uma tirada de sarro, chamando a estrutura de “monumento à besteira”.Mas, de que nós sabemos, no fim das contas? Talvez as chapas sejam simplesmente uma obra abandonada há muitas décadas, que ficou famosa pelos motivos errados.

Você provavelmente está olhando para uma dessas agora. Qualquer cidade do mundo tem uma ou várias construções que desafiam a lógica e o bom senso. Tudo sempre começa com a melhor das intenções. O governo promete uma obra linda, exuberante e de encher os olhos, o marco zero da nova administração. A partir dela, tudo será novo e lindo na cidade. Como se sabe, as grandes idéias costumam ser mais apetitosas no papel que ao vivo e em cores. E conforme a obra avança, as falhas no planejamento começam a aparecer. Atrasos, desvio de verba, soluções improvisadas...

Resumindo o raciocínio, acabamos com um punhado de construções toscas, e precisamos passar diante delas todos os dias e nos lembrarmos do tamanho do tiro que demos no próprio pé ao escolher quem está mandando na cidade agora. Às vezes a execução do projeto é tão conturbada que os, por assim dizer, responsáveis, simplesmente o abandonam no meio do caminho e deixam somente a estrutura da obra em pé. Quem não fica mal ao passar diante de uma armação metálica de uma obra abandonada, prometida há anos como o maior investimento da história do município, e que agora enferruja até se despedaçar?

A ficção está cheia de obras assim... O inesquecível coroné Odorico Paraguaçu se elegeu prefeito do buraco de minhoca conhecido como Sucupira com a promessa de erguer um cemitério de luxo, para que os poucos habitantes do lugarejo não precisassem ser sepultados em cidades vizinhas. Porém ele desviou tanto dinheiro da obra megalomaníaca que os defuntos só caberiam nas covas se antes passassem pelo moedor de carne. O menor dos problemas dele, pois se esqueceram de avisar ao coroné que os sucupiranos eram simplesmente imorríveis, e ele dependia da morte de alguém para poder inaugurar sua única obra no governo.

O não menos tresloucado prefeito Ipiranga Pitiguary, da não menos estrambótica cidadezinha de Greenville, vivia propondo obras faraônicas e completamente inúteis para desviar os olhos do povo de seus escândalos de corrupção. A mais famosa delas foi a tentativa de adaptar a mão inglesa às ruas da cidade, ou seja, inverter as rotas de passagem de carros. E, curiosamente, tudo que essa idéia brilhante resultou foi numa enorme cratera, tão funda que fazia as pessoas que caíssem nela viajarem direto para o Japão. Coisas de novela...

Em São Modesto, cidade tão escalafobética quanto as anteriores, o prefeito doido de jogar pedra Chicão Rotscheider propôs a idéia de desviar a linha férrea mineira para dentro da cidade, fazendo dela um ponto de parada obrigatório para turistas. Ele até já tinha mandado construir a estação antes mesmo de o projeto ser aprovado. Previsivelmente, o governo do Estado não concordou com o plano estapafúrdio, e a estação abandonada agora é popularmente conhecida como Mendigão, por razões também previsíveis.

Por fim, na não menos fictícia e judiada Montes Claros, somos obrigados a conviver com duas obras como essas. E o que mais nos entristece é que são as duas principais praças da cidade. Um lembrete aos aspirantes a arquitetos urbanistas: Qualquer estrutura que envolva água corrente não é uma boa proposta. No projeto de reforma da Praça da Matriz, meu pai recebeu as plantas para a construção de um chafariz iluminado no centro dela. Sabiamente, ele ficou com um pé atrás nessa proposta, pois esse tipo de coisa precisa de manutenção constante, coisa que nossos mandantes são incapazes de fornecer. Mas a obra foi feita assim mesmo e todos adoraram. Bem, dentro de poucos meses o jogo de luzes do chafariz estragou e nunca foi consertado, e a fonte só espirra água na hora que ela quer.

A praça Dr. Carlos Versiani acompanhou cada fase do município. Por décadas ela mais parecia uma rua de Calcutá ou do Zimbábue, com imundice e camelôs espalhados por toda parte e um completo descaso das autoridades. Enfim, resolveram reformá-la para gerações futuras. Meu sempre presente pai, engenheiro civil dos mais requisitados da região, estava encarregado de aprovar os projetos. Só pra variar, havia um projeto envolvendo água corrente, dessa vez uma cascata. Novamente ele se posicionou contra a idéia e foi novamente ignorado. Anos depois da obra completa, a tal cascata permanece sem ter derramado uma única gota desde que foi construída.

Mas, esperem que ainda tem mais! Antigamente, havia uma muito estimada trepadeira na praça, que subia por uma armação de madeira rústica. Era praticamente um patrimônio histórico da cidade. Pois bem, nossos very cleverarquitetos passaram a patrola por cima de tudo e construíram um jogo de pilares de concreto e tijolos no lugar, prometendo que mais adiante uma nova trepadeira seria plantada para enfeitá-los. Continuamos olhando furiosos para os pilares vazios, que não têm utilidade alguma. Hum, talvez tenham... Reza a lenda que vocês-sabem-quem, quando recebia empresários de fora para mostrar a praça do alto, foi perguntado a respeito dos pilares, e ele, para não perder a piada, contou que foi um prefeito meio dado ao esoterismo que construiu no meio da praça um aeroporto para receber OVNIs. Talvez os mesmos que colocaram aquelas chapas de metal lá em “Belzônti”...

*Designer e escritor. Sites:


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