Drogas & Crimes*
**Por
José Calvino
(...)
Eram onze horas da
noite quando o detetive Getúlio protestou contra a violência da polícia, quando
esta efetuava uma blitz no Beco da Fama:
- Como cidadãos normais
que somos, protesto. A nossa cidadania é uma instituição intocável. Eles (a
polícia) ordenam a paralisação das músicas, revistam os freqüentadores e
“aconselham” recolher-se às suas casas, esquecendo nosso direito constitucional
de ir e vir! Anormalidade? Estando o país gozando no estado de
não-beligerância, por que imitar o estado hitleriano?
(...)
A psicóloga Tarcisa
Evangelista, escreve para o detetive Getúlio Medeiros.
Querido Medeirinho
Bom dia
Venho por meio desta
com toda confiança depositada em você. Porém, não confio na polícia,
infelizmente, pois venho sendo interrogada sob tortura psicológica por
elementos da polícia, que não têm qualificação. Estamos sendo, eu e o sargento
Dorivaldo, o “Dore”, suspeitos do assassinato de minha irmã Thaís.
Sendo sabedora que o
sargento Dore está prestes a ser excluído da meganha, e que você esteve com ele
como também esteve na Casa de Saúde onde encontram internados o doutor Marcos
Trova e Dorivaldo, e que ambos estão inocentando os agricultores (como
realmente são inocentes) venho esclarecer o seguinte: primeiro lugar, estou
gostando do sargento Dorivaldo, o Dore, amando-o de verdade, mas acontece que
ele é um alcoólatra, então resolvi sobretudo olhar o meu lado profissional no
campo da psicanálise... Em segundo lugar, confiante no seu espírito de
compreensão supostamente tenho a narrar somente a verdade inocentando Dore, os
agricultores, Dudu e os adolescentes.
Realmente eu estava com
Dore, minha irmã, Maria Clara, Roberto Carneiro o “Filhinho” e Marcos Trova,
numa Rural de aluguel cujo motorista é o velho “Dudu”, que você o conhece muito
bem. Aconteceu que o carro de “Filhinho”, se encontrava nas mãos de dois
adolescentes, sem carteiras de habilitação. Eles seguiram a Rural de
Tracunhanhém até próximo ao Posto da Texaco, ultrapassaram a Rural,
trancando-nos. Um deles pediu para que “Filhinho”,Marcos, Thaís e Maria Clara
descessem e embarcassem no Maverick sob alegação que tinha uma patrulha
rodoviária logo após o posto de gasolina e que agradeceria muito eu e
“Dore”voltarmos na Rural com eles (os adolescentes) para o Recife. Pedido este
aceito. Marcos foi dirigindo o Maverickjunto com “Filhinho” e as
meninas.
Nós voltamos seguindo a
estrada para a capital. Paramos no restaurante Carrossel e pedimos carne de
bode sendo servida guisada. Dore não se cansava de decantar os valores
nutritivos da carne de bode. Os adolescentes adoraram o carrossel de
cavalinhos, brincaram como duas crianças... Após três dias encontrei
com“Filhinho” dizendo que Marcos Trova estava internado e que ele iria a
Portugal. Perguntando pelas meninas ele nervosamente disse que as deixaram no
Parque do Prata, com Marcos Trova. Como você já está sabendo que D. Almerinda
da Paz recebeu de “Filhinho” uma estatueta faltando um pedaço do manto de Nossa
Senhora. Cuja estatueta se encontrava na prateleira toda enfeitada com fitas
azuis-celeste, que você se interessou em adquirir naturalmente. Com isto me
veio à memória que a referida estatueta fora comprada por “Filhinho” em
Tracunhanhém, inteira, e que no dia do crime tudo leva a crer que fora partida
conforme “Dore” em conversa amigável com “Filhinho”. Este falou que quando
abriu o porta-malas do carro, a estatueta caiu das mãos de Maria Clara e que,
por sorte, foi quebrado somente um pedaço pequeno que colocou no bolso da calça
para colar posteriormente e que procurou tudo e não mais encontrou e não sabe
como foi que perdeu aquela parte da santa. Como psicóloga estou arrasada com a
morte de minha irmã... Por isso para enfrentar esta situação em que me
encontro, recorro a você, que tanto tem me ajudado nas horas difíceis como
estas. Não está vindo mais ninguém na minha clínica se consultar pedindo
orientação. Tenho pena dos viciados, sempre fiz tratamento para essas pessoas
dependentes do álcool e de psicotrópicos: Infelizmente, estou sem saber o que
fazer para resolver este problema que vem me perturbando fisicamente e
moralmente. Acredito que você já saiba tudo para provar quais foram os
criminosos e inocentar os que irão ao banco dos réus. Tenho certeza, meu
amigão, que você conseguirá que eles confessem o monstruoso crime e através dos
órgãos competentes da imprensa, retratar o que as drogas fazem a um ser
humano...
(ass. Tarcisa)
(...)
No Máxime, à tardinha,
Dorivaldo, Tarcisa e Medeirinho, no tilintar de copos, degustam o bom vinho com
o peixe ensopado, casquinhas de siri e do caviar. A leve brisa soprando do
verde atlântico, continuam a conversar...: “Tarcisa, grande psicóloga
paradoxal. Trata de alcoólatra sem deixar a caipirinha, fazendo uma apologia ao
adágio popular: ‘Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’, está nessa
agora, processada, mas vai sair, temos provas suficientes...”; “... Caipirinha
é boa quando é feita com aguardente, limão, mel e gelo”; “Sabe quem inventou a
caipirinha? “; “Foi o doutor Watson”: “Falar em doutor Watson, dizem que está
pra vir ao Brasil os detetives Hercule Poirot e Sherlock Holmes, literalmente
acham que os nossos trabalhos estão sendo corretos, como manda o figurino dos
detetives imortais. Não será preciso vir ao Brasil desvendar esses crimes
bárbaros que vem acontecendo...”; “... No ‘Xangô de Baker Street’, Sherlock diz
que aprendeu a cheirar cocaína com o médico de Viena, Sigmund Freud. Juntou-se
com a mulata do corpo maravilhoso, Anna Candelária, e o que vimos foi aquela
palhaçada, ensinou até Sherlock a fumar maconha: ‘Tens que tragar fundo e
segurar a fumaça nos pulmões o mais que puderes, ‘Sherlock Holmes, usou
demasiadamente a cannabis sativa... fez eu rir da primeira página à
última. O chefe de polícia desembargador Coelho Bastos... No filme o Jô Soares
numa ponta é uma graça de escritor...”- disse finalmente a psicóloga Tarcisa
Evangelista da Ficção.
*Trechos extraídos de
alguns capítulos do livro: “Drogas & Crimes”. Edição 2003.
** Escritor, poeta e teatrólogo. Blog
Fiteiro Cultural: http://josecalvino.blogspot.com/
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