domingo, 7 de julho de 2013

Porta Aberta 2

População que o censo não registra

Por Leonardo Dantas Silva

Como Londres, Paris e tantas cidades européias esta cidade de Santo Antônio do Recife tem suas assombrações, que já deram motivo para estórias as mais diversas que agora se transformam em manchetes de jornal.

O caso do fantasma da Faculdade de Direito do Recife é um a mais que se inscreve na grande lista de casos de assombrações desta cidade: Segundo alguns alunos e professores daquela casa um tipo misterioso, que se diz chamar Santana Filho, comparece sempre às aulas daquela escola e some de maneiras as mais estranhas.

Alunos e professores chegam a afirmar estórias de vultos que perambulam pelos corredores do prédio da Faculdade de Direito, pontificam e desaparecem misteriosamente dos bebedouros e, agora, comparecem às aulas, sentando ao lado de professores e, no final, ainda estendem a mão para um aperto gélido demonstrando a sua identidade alienígena.

Mas, conviver com assombrações e até o diabo nesta cidade do Recife é algo que já se tornou folclore. Como a Torre de Londres, famosa no mundo inteiro por suas assombrações, até à luz do dia, o Recife tem também os seus prédios e casas malassombradas que, vez por outra, aparecem no noticiário da imprensa.

A Cruz do Patrão e outros sítios

Entre os mais antigos que puderam circular lá para as bandas da Cruz do Patrão, hoje cercada pelo parque de inflamáveis e sitiada de nossas vistas, tem seus episódios.

O fantasma da Faculdade de Direito, segundo versões de funcionários antigos, pode ser o do servente José Francisco de Souza, “que morreu na hora do expediente há alguns anos”, não sendo tal “aparição novidade”. O fantasma é responsável pela abertura de portas sem chaves e, por vezes, “no local em que se encontrava aparecia muitas pontas de cigarro, porém, passado o rebuliço, quando os alunos e o professor as procuravam, o local estava completamente limpo”.

Neste Recife quatrocentão o aparecimento de almas do outro mundo não é só privilégio da Faculdade de Direito. Não é que naquele local não seja propício, inclusive freqüentado por ilustres gerações de juristas, mas é que em cada bairro, subúrbio ou sítios os mais diversos, os fantasmas nos são familiares.

A Cruz do Patrão, monumento datado do século XVI, hoje sitiado por tanques de inflamáveis lá no bairro do Recife, já foi um dos locais malassombrados do Recife.

A coluna dórica, encimada por uma cruz de pedra, sem qualquer inscrição já aparece nos mapas do Livro que dá razão ao Estado do Brasil, escrito no século XVI, foi objeto dos romances de Franklin Távora que fala na aparição do diabo nas noites de São João.

No local eram sepultados “negros novos”, oriundos da Costa da África, judeus e protestantes, que não tinham direito à sepultura nas igrejas, e até súditos ingleses, antes do advento do seu cemitério em 1810. Era ainda local de execuções de militares por arcabuzamento e, em tempos mais modernos, destinado à prática de bruxarias.

Ficando no caminho do istmo que ligava o Recife a Olinda, a Cruz do Patrão, por vezes, foi cenário de aparições de almas penadas, gritos, psius, gargalhadas e choros. Certa vez, segundo Franklin Távora, lá também apareceu o diabo fazendo misérias e ganhando o rio com enorme estrondo e cheiro de enxofre.

O Chora Menino

Falando-se na Cruz do Patrão vale recordar o Chora Menino, já mencionado por Pereira da Costa, onde vez por outra se ouve choros de crianças.

Em Casa Forte aparecia, perto da antiga capela, um cavaleiro louro de longas madeixas, ricamente vestido, montado em um fogoso cavalo. O povo dizia tratar-se um general holandês oriundo da batalha, que ali se travara em 1645, na qual perdeu sua vida, e que hoje vive a galopar pelas Ruas, outrora campinas.

Na Lagoa do Zumbi é comum, ainda em nossos dias, se falar no aparecimento de uma estranha corrente de navio e do aparecimento de certos vultos estranhos. Em suas imediações, no antigo pátio do Engenho da Torre, dizia-se ser o prédio do Grupo Escolar Martins Júnior (local da antiga casa-grande do engenho) cenário de vozes, gemidos e aparições. Por trás da Igreja da Torres (antiga capela do engenho) aparecia uma mulher de branco e um padre, além de vozes e gemidos de pretos escravos mortos no cativeiro e ali enterrados. Vários destes esqueletos foram encontrados quando das obras de ampliação da igreja, o que fez solidificar a crença de que o templo também seria malassombrado.

Falando-se na Torre vale relembrar a casa malassombrada da Rua Dom Manuel da Costa, que ficava ao lado do nº 27, que chegou a ser famosa pelo inúmeros malassombros. A casa terminou abandonada, pois nenhum dos inquilinos suportou as aparições, os pratos quebrados, as pedradas e as gargalhadas que nela se ouvia. Com o seu abandono terminou por ser demolida e hoje no local existe apenas um terreno vazio.
Na margem do Capibaribe, no fim da Rua José Bonifácio, existe o Porto do Cemitério. O local relembra os afogamentos freqüentes e os enterramentos de escravos. Moradores costumam falar em aparições e choros no meio da noite.

Mais Assombrações

Lula Cardoso Ayres chegou a transpor para tela algumas das assombrações do Recife, Carneiro Vilela fez delas personagens de romance, enquanto Eugênio Coimbra Júnior, Ascenso Ferreira e Joaquim Cardoso as transportaram para a poesia.

Com base nas assombrações do Recife, Gilberto Freyre escreveu um livro curioso em que relata vários casos e depoimentos. Segundo ele uma contribuição “senão muito modesta para o estudo de um aspecto mais esquecido do passado recifense: aquele que esse passado se apresenta tocado pelo sobrenatural”.

Como Gilberto Freyre, o historiador Olímpio Costa Júnior registrou várias notas inéditas sobre o aparecimento de fantasmas no Recife. No antigo solar do Visconde de Suassuna, hoje ocupado pela Fábrica TSAP, também com fama de malassombrado. Nele aparecia, por vezes, a alma do Visconde pedindo perdão a suas vítimas, indicando com os dedos ao vidente o número de missas que desejava.

O livro do Mestre de Apipucos peca apenas por sua imprecisão com relação aos casos, não citando alguns nomes e, na sua maioria, omitindo o número das casas, mas mesmo assim é um vasto repositório de informações sobre as assombrações deste velho Recife.

Na relação de locais malassombrados está o Açude do Prata, localizado em Dois Irmãos, onde, segundo a lenda, Branca Dias (judia condenada no século XVI à fogueira pela Inquisição) lançou sua prataria. Dizia o povo que à noite Branca Dias estava lá “botando sentido em sua prata”.

Palácio do Governo e Santa Isabel

O Palácio do Campos das Princesas também tem suas estórias de fantasmas e assombrações. Dizem antigos funcionários que lá, quando estão para acontecer desgraças aos governantes, “aparece um vulto escuro e alto no salão nobre”. Apareceu por duas vezes no Governo de Estácio Coimbra (1911 e 1930), antes das revoluções Dentista de 1930. Asseveram ser o vulto uma alma remanescente do tiroteio de 18 de dezembro de 1891, no qual foi deposto o governador em exercício José Maria de Albuquerque Melo. As palmeiras da Praça da República ainda hoje guardam vestígios da fuzilaria e o Palácio do Campos das Princesas, o seu fantasma que aparece nos momentos de crise não só à noite como em plena luz do dia.

Também na Rua do Pombal corre a lenda de que os Carros da Garagem da Casa Agra, os antigos de há muito fora de uso, vez por outra, partem em direção ao Cemitério de Santo Amaro com sinhazinha e dirigido por um negro de casaca de galões de ouro.

Carneiro Vilela tem um romance célebre A Emparedada da Rua Nova que, segundo alguns, se refere, ao prédio onde hoje está situada a Nova Magnólia na qual fora enterrada, viva, uma jovem mãe solteira.

Naquelas proximidades também se fala, no Convento e no Pátio do Carmo, das aparições de frei Caneca. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, cujo sesquicentenário de morte será comemorado amanhã, não conseguiu ser enforcado conforme ordens do despótico Dom Pedro I (Pedro IV para os portugueses), “por não haver carrasco que se prestasse a enforcá-lo”. Uma visão de uma mulher segundo alguns cronistas da época, provocou uma síncope num dos soldados do pelotão de arcabuzamento e, para todos, este vulto ficou sendo como o de Nossa Senhora do Carmo. Havia no Recife, por traz da Rua Vigário Tenório, a Rua do Encantamento cheia de estórias de assombrações que ainda permanece até os nossos dias, o Encanta Moça lembra também as visagens e encantamentos do Pina.

No antigo nº 3 da Rua de Santa Rita, possivelmente entre os três primeiros sobrados daquela artéria do bairro de São José, há um prédio outrora pertencente ao sapateiro Juca Coragem onde não havia quem pudesse dormir. Os fantasmas faziam estrepolias das mais diversas, que logo foram desfeitas assim que Juca desenterrou duas botijas, uma na parede do sótão e outra na cozinha.

Na Rua da Concórdia o sobrado de nº 195 ficou famoso por ter sido cenário de três mortes, no qual os mortos apareciam a qualquer hora e afastavam todos os seus locatários, até que um oficial do Exército deu para lá fazer umas sessões espíritas e de lá retiraram-se os habitantes extraterrenos.

No Pátio do Terço, no antigo nº 29, um sobrado de três andares também foi vedete nos casos de assombrações, até que foi dele desenterrada uma polpuda botija.

Na Rua de São João, perto do gasômetro, numa casa de porta e janela suicidou-se um homem e o ambiente passou a ser cenário de visagens e aparições, até um ateu por nome de Barbosa caiu com uma síncope, ao se defrontar com o fantasma que lá aparecia todas as noites após as 23 horas.

No Santa Isabel

O Teatro de Santa Isabel, inaugurado em 1850, também faz parte das estórias de fantasmas do Recife. Dizem que lá, durante as noites, podem ser ouvidos aplausos da platéia e gritos entusiásticos. Também há quem descreva a aparição de uma senhora gorda, em trajes antigos, passeando por seus corredores.

Outros locais do Recife também são malassombrados, como o Pátio de Santa Cruz, onde existe um sobrado no qual se desenrolou um uxoricídio, na Rua Imperial e em Afogados, onde na Imbiribeira foram fuzilados, a 22 de novembro de 1893, os marinheiros participantes da Revolta da Armada e, no dia 14 de janeiro do ano seguinte, o sargento do Exército Silvino Macedo.

Mas, assegura Gilberto Freyre que “o mistério continua conosco homens do século XX, embora diminuído pela luz elétrica e por outras luzes. Por que desconhecê-lo ou desprezá-lo em dias tão tristes, não só para certas fantasias psíquicas, como para certas verdades científicas, como os dias que atravessamos?”


* Jornalista e escritor do Recife/PE

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