quarta-feira, 24 de julho de 2013

“Caba não, mundão!”

* Por Mara Narciso

À margem do Rio São Francisco, sobre uma plataforma, na qual comandava seus pupilos, o maestro Alex Domingos disse que a Sinfonia do Velho Chico tornaria Pirapora tão importante, que a transformaria em cidade referência no norte de Minas. “Montes Claros é aquela cidade que fica perto de Pirapora”, brincou. O motivo era a Banda Sinfônica Jovens de Pirapora e a Vesperata, que estava em curso, a acalentar o coração dos ouvintes. Não apenas sons, mas notas musicais entravam-lhes pelos ouvidos, despertando os peixes e intimidando a lua.

A Banda foi criada há 18 meses para ensinar música à criançada pobre de Pirapora. No momento são atendidos 100 jovens de nove a 19 anos, com mais cem esperando. Desceram do ônibus, dentro de um uniforme simples, jaquetas brancas e calças pretas, de instrumento na mão e orgulho mal escondido, fizeram a descida até o rio. O palco que não era nada mais nada menos que as varandas do Vapor Benjamin Guimarães, o resistente gaiola que completa cem anos, sendo o único vapor movido a lenha em atividade no mundo.

Americano do Mississipi, construído em 1913, com os seus 40 metros de comprimento, tem três andares avarandados. Pintado de branco e amarelo, imponente em sua singeleza ostentava bandeiras estendidas no topo, enquanto aguardava público e músicos. A luz difusa clareava o navio de forma tênue, com alguma coisa de romântico. No terceiro andar havia a tuba, as cordas e percussão, e nos restantes, instrumentos de sopro. Crianças iniciantes ouviam tudo e a intenção era fazê-las se apaixonar.

O público se organizava à margem sobre um gramado em degraus, e procurava se acomodar em cadeiras. O apito do vapor foi acionado, e o mestre de cerimônias anunciou que o espetáculo iria começar. Deu informes técnicos, agradeceu aos patrocinadores, e ao público. Foi quando chegou o maestro Alex Domingos e os trabalhos se iniciaram. Haveria músicas clássicas e depois músicas populares. “O Guarani”, “Danúbio Azul”, entre outras ecoaram Brasil afora. Rompendo do vapor a melodia imprimia uma sensação mágica, um sonho bom que bem poderia não terminar. Por sua vez, o Benjamin Guimarães, o ancião centenário, o bravo guerreiro de tantos embaraços, estava ali no meio da música e da luz, com a escuridão marcando a parte de trás de sua silhueta, fazendo dele uma quase aparição.

Os idealizadores da Banda Sinfônica Jovens de Pirapora foram elogiados, e logo começaram as canções populares: “Como Uma Onda”, “Epitáfio”, “O que é, o que é” “Besame mucho” e muitas outras. O público vibrou com a habilidade do maestro em extrair daqueles meninos aquilo que era preciso: uma boa apresentação.

Era sábado, 13 de julho, e o vento frio, de 14º C, vindo do rio, gelava os desprevenidos, que eram aquecidos por chá quente. Uma lua encolhida, no seu quarto crescente, deixava um caminho amarelo por sobre a água. Acabada a apresentação, houve o bis, e quando tudo parecia terminado ecoou o Hino Nacional. Todos ficaram de pé, vieram os aplausos, e para encerrar os fogos de artifício coloridos iluminaram a Banda Sinfônica Jovens de Pirapora, o Vapor Benjamin Guimarães e o Rio São Francisco.

Estava ali um domingo ensolarado e sem nuvens. Era hora de fazer o passeio no Vapor Benjamim Guimarães. Os passageiros foram chegando, e após a identificação, escalaram as íngremes escadas e se acomodaram. Um barco centenário, ainda que ancorado, é ambiente pitoresco para gerar curiosidade. Observava-se que quem estava num andar queria ver o que se passava no outro, num constante ir e vir, subir e descer. Cento e noventa pessoas ocupavam a embarcação. Tinha colete salva-vidas para todos, e bem à vista. Na proa, um timoneiro, sob os olhos atentos do comandante Manoel Mariano, vistoso em sua farda cáqui, estava preparando para zarpar. No centro, um grande farol de cobre e, em volta da embarcação, amuradas de arame trançado, montes de lenha, caldeira fumegante, mesas, cadeiras e o rio lá embaixo. As suas águas estavam pouco volumosas e de cor verde-azuladas. Após o terceiro apito, que sugeria um lamento, quase um ai, a âncora foi içada, a embarcação se moveu de ré, para se afastar do barranco e depois partiu. Os agora ainda mais felizes viajantes conversavam, riam, bebiam, comiam, olhavam a água baixa do rio, tocavam, cantavam, e apreciavam a vegetação da seca verde na margem. O vapor navegava dentro de um canal para não encalhar, pois no rio assoreado há vários bancos de areia. No terceiro andar uma banda fazia a festa, enquanto nas varandas inferiores pessoas tocavam e cantavam.

Navegando, lá vai o navio rio abaixo, Brasil acima, veloz nos seus 18 Km/h e na volta, subindo a 9 Km/h, pois precisa vencer a correnteza. Até os mais tímidos se renderam ao espírito reinante e caíram na dança, reverenciando o rio e a vida. O Rio São Francisco e o Vapor Benjamim Guimarães urgem em ser preservados por preciosos e para que ambos possam continuar oferecendo esses dois mundos de sonhos: à noite, comportada sinfonia, e de dia explosão em festa.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

2 comentários:

  1. Viajei junto, Mara. No Vapor e no seu texto. Abraços!

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    1. São universos de prazer no mesmo lugar, porém em horários opostos. Gostei muito do passeio e das suas palavras. Obrigada, Marcelo!

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