quarta-feira, 24 de julho de 2013

Fiquei sem munição

* Por Fernando Yanmar Narciso

Oque conseguiríamos se pegássemos um comercial de alistamento, o esticássemos por cerca de uma hora e meia, o puséssemos num contexto fajuto do final da Guerra Fria e, só de brinde, ele fosse estrelado por um astro em ascensão de filmes de ação baratos? Eis um portfólio de toda a filmografia do queridinho da internet e, atrevo-me a dizer, porta-voz do Divino na Terra, SENHOR Chuck Norris.

Oriundo de Oklahoma, Carlitos Rey Norris é um tipo de John Wayne que luta caratê e é garoto-propaganda das Forças Armadas estadunidenses. Ao contrário de seus conterrâneos de filmes de ação como Stallone, Schwarzenegger e Van Damme, que só fingem saber o que estão fazendo, Norris é um fuzileiro de verdade e herói de guerra condecorado, entendendo do manejo de armamento pesado como poucos. Pena ele ter desperdiçado boas décadas de sua carreira como “roteirista” e astro de seus próprios filmes ao lado de Aaron, seu irmãozinho caçula, puxa- saco e“diretor” de quase todos eles, e se subordinando à maior produtora de filmes B da década de 80, a Cannon Films.

As principais características de  qualquer filme dele são o excesso de testosterona, adrenalina e tiros, enredos que mal chegariam a encher meia página A-4 e aproximadamente 90% das cenas não fazem o menor sentido. Seria um erro chamá-lo de canastrão (ele me mataria), pois antes de sê-lo, o homem precisaria ser um ATOR, coisa que Cel. Braddock sequer sonha em ser. Ele simplesmente diz suas falas como se o script tivesse uma boca. E não há melhor exemplo de tais ingredientes trabalhando em perfeita harmonia como em seu filme mais famoso, a película de ação mais aleatória já feita e o 2º VHS mais vendido da história da MGM, perdendo apenas para E o Vento Levou...Invasão USA, de 1985.

Dirigido por Joseph Zito, o primeiro diretor a estourar uma cabeça em close diante das câmeras, aqui temos o espião soviético Mikhail Rostov (Richard Lynch, figurinha carimbada de filmes B daquela década) coordenando a, segundo ele, primeira invasão de solo norte-americano em 200 anos. Financiado pelo narcotráfico, ele comanda o desembarque de centenas de milhares de terroristas soviéticos nas encostas ianques para espalhar o caos e a loucura pelo país. O problema é que Rostov tem uma logística incompreensível, pois em vez de seguir uma agenda clássica de terrorismo como invadir a Casa Branca, seqüestrar e torturar o presidente ou bombardear algum prédio importante, ele prefere usar bombas-relógio e lança-mísseis para dinamitar inocentes subúrbios, pequenos shopping centers, guetos chicanos e igrejinhas de bairro, sem nenhuma vítima específica. Provavelmente isso era tudo o que o orçamento da produção permitia...

E para combater a esse ataque retardado ao solo americano, quem você chamaria? O Exército? A SWAT? Superman? Não! Eles são para os fracos... O ex- agente antiterrorismo da CIA e mestre em artes marciais Chuck Norris (Eu sei que o personagem dele tem nome, mas todos vão chamá-lo de Chuck Norris mesmo) é o homem adequado para trazer a paz de volta ao país. Porém, ele já está aposentado e prefere passar o resto de seus dias como um pacato e antissocial caçador de jacarés no pântano, ao lado de seu colega inseparável, um índio ancião que eles nem se preocuparam em dar um nome.

O motivo de a CIA ter ido importuná-lo novamente é que, há alguns anos, Norris frustrou um plano de Rostov de- imaginem só!- invadir a Casa Branca e matar o presidente. Com uma pistola na têmpora de seu rival e sussurrando a ameaçadora frase “Hora de morrer”, Norris é detido de acabar com essa história no último instante por seus superiores, e mais tarde, creio eu que Rostov tenha conseguido escapar da prisão e voltou à América com uma obsessiva e insaciável fome de vingança. A propósito, a frase “Hora de morrer” é repetida tantas vezes pelo herói que chegamos a imaginar se esse era o título que eles queriam dar ao filme.

Enfim, Chuck é arrancado de sua aposentadoria quando os soviéticos localizam de algum modo a tapera onde ele vive e tentam matá-lo com bazucas, que parece ser a arma de estimação de Chuck Norris, pois qualquer pessoa no filme sabe usar uma. Obviamente, não conseguem matá-lo nem com elas e o ex-agente e lobo solitário está de volta à ativa. Enquanto o governo e as forças armadas ficam tentando prever qual será o próximo passo da Al Qaeda por décadas a fio, o velho Chuck simplesmente SABE onde estão os terroristas e frustra qualquer plano deles. Quem disse que onipresença tem seus limites?

A maioria das cenas é tão caricata e sem nexo que é quase como se Chuck e Aaron tivessem escolhido uma porção de gibis, arrancado algumas páginas, embaralhado e grampeado, e provavelmente foi assim que conseguiram vender esse script. Claro que há vários outros personagens (alvos?) no filme, mas os dois irmãos nem se preocuparam em dar substância a nenhum deles.

Já sabiam que a audiência só teria olhos para as estripulias quase mágicas de Chuck, o único membro da CIA a andar livremente pelas ruas do Texas empunhando uma UZI em cada mão e um fuzil AR-15 com lançador de granadas acoplado, torturar pessoas aleatórias em busca de informações do paradeiro de seu arquiinimigo e escapar dos maiores tiroteios e explosões do mundo com não mais que um corte na pálpebra e a roupa suja.

E, surpreendentemente para um fuzileiro dos bons como Carlitos, ele utiliza o armamento militar da forma mais rocambolesca possível, como na escalafobética e inesquecível cena final, onde Norris e Rostov travam um duelo... Com bazucas, à distância de queima-roupa, no corredor de um prédio! Resumindo, é claro que Invasão USA é um filme tenebroso, mas isso não quer dizer que ele não deixe um sorriso sádico em cada rosto ao terminar. Diversão e espírito de porco garantido. BUM!!!

*Designer e escritor. Sites:


Um comentário:

  1. Não sei onde você tira tantas informações sobre esse pessoal totalmente desconhecido para mim. Ainda assim fica interessante ler, especialmente a parte que fala do enredo em meia página A4 e na mistura de algumas páginas de um gibi rasgado. O filme não sei se é diversão garantida, mas ler sua resenha é.
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